SÃO CHARLES DE FOUCAULD E SANTA TERESA DO MENINO JESUS

SÃO CHARLES DE FOUCAULD E SANTA TERESA DO MENINO JESUS

129. São Charles de Foucauld e Santa Teresa do Menino Jesus, sem o pretenderem, reformularam certos elementos da devoção ao Coração de Cristo, ajudando-nos a compreendê-la de uma forma ainda mais fiel ao Evangelho. Vejamos agora como se exprime esta devoção nas suas vidas. No próximo capítulo voltaremos a eles para mostrar a originalidade da dimensão missionária que ambos desenvolveram de modos diferentes.

 

IESUS CARITAS

 

130. Em Louye, São Charles de Foucauld fazia visitas ao Santíssimo Sacramento com a sua prima, Madame de Bondy, e um dia ela indicou-lhe uma imagem do Sagrado Coração. Para a conversão de Charles, esta sua prima foi fundamental, como ele reconhece: «Já que o bom Deus fez de ti o primeiro instrumento das suas misericórdias para comigo, todas as suas misericórdias vêm de ti. Se não me tivesses convertido, levado a Jesus e ensinado pouco a pouco, palavra por palavra, tudo o que é piedoso e bom, estaria eu onde estou hoje?». Mas, o que ela despertou nele foi exatamente a consciência ardente do amor de Jesus. Estava tudo ali, e era o mais importante. E isso concentrava-se particularmente na devoção ao Coração de Cristo, onde ele encontrava uma misericórdia sem limites: «Esperemos na misericórdia infinita d’Aquele cujo coração me fizestes conhecer».

 

131. Depois, o seu diretor espiritual, Padre Henri Huvelin, ajudá-lo-á a aprofundar este precioso mistério: «Este Coração abençoado do qual me falaste tantas vezes». No dia 6 de junho de 1889, Charles consagra-se ao Sagrado Coração, no qual encontrava um amor absoluto. Diz a Cristo: «Cumulastes-me de tantos benefícios que me parece ser uma ingratidão para com o vosso coração não crer que ele esteja pronto a cumular-me de todo o bem, por maior que seja, e que o seu amor e a sua generosidade não têm medida». Será eremita «sob o nome do Sagrado Coração».

 

132. No dia 17 de maio de 1906, no qual já não pôde mais celebrar a missa por se encontrar sozinho, Frei Charles escreveu esta promessa: «Deixar viver em mim o Coração de Jesus, de modo que já não seja eu a viver, mas o Coração de Jesus que viva em mim, como vivia em Nazaré». A sua amizade com Jesus, de coração a coração, não tinha nada de devocionismo íntimo. Era a raiz dessa vida despojada de Nazaré, pela qual Charles queria imitar Cristo e configurar-se com Ele. Esta terna devoção ao Coração de Cristo teve consequências muito concretas no seu estilo de vida e a sua Nazaré foi alimentada por esta relação muito pessoal com o Coração de Cristo.

 

SANTA TERESA DO MENINO JESUS

 

133. Tal como São Charles de Foucauld, Santa Teresa do Menino Jesus respirou a enorme devoção que inundava a França no século XIX. Padre Almire Pichon foi o diretor espiritual da sua família e foi considerado um grande apóstolo do Sagrado Coração. Uma irmã sua tomou o nome religioso de “Maria do Sagrado Coração”, e o mosteiro em que Santa Teresa entrou era dedicado ao Sagrado Coração. No entanto, a sua devoção assumiu algumas características próprias, que iam além das formas pelas quais se expressava naquela época.

 

134. Quando tinha quinze anos, encontrou uma maneira de resumir a sua relação com Jesus: «Aquele cujo coração batia em uníssono com o meu». Dois anos mais tarde, quando lhe falavam de um Coração coroado de espinhos, acrescentou numa carta: «Sabes, eu não vejo o Sagrado Coração como toda a gente, penso que o coração do meu Esposo é só meu como o meu é só d’Ele e então falo-Lhe na solidão desta deliciosa intimidade esperando contemplá-l’O um dia face a face».

 

135. Num poema, ela exprimiu o sentido da sua devoção, feita mais de amizade e confiança do que de segurança nos seus próprios sacrifícios:

 

«Preciso de um coração ardente de ternura,

que me dê a sua força sem reserva,

que ame tudo em mim, mesmo a minha fraqueza...,

que nunca me abandone de noite nem de dia. […]

Preciso de um Deus que se revista da mesma natureza

que se torne meu irmão e possa sofrer! […]

Ah! bem sei que todas as nossas justiças

não têm a teus olhos nenhum valor […].

E eu escolho para meu purgatório

o teu Amor ardente, ó Coração do meu Deus».

 

136. Talvez o texto mais relevante para compreender o significado da sua devoção ao Coração de Cristo seja a carta que escreveu, três meses antes de falecer, ao seu amigo Maurice Bellière: «Quando vejo Madalena avançar na presença dos numerosos convidados, banhar com as suas lágrimas os pés do Mestre adorado que toca pela primeira vez, sinto que o coração dela compreendeu os abismos de amor e de misericórdia do Coração de Jesus, e que, por muito pecadora que ela seja, este Coração de amor está não só disposto a perdoar-lhe, mas ainda a prodigalizar-lhe os benefícios da sua intimidade divina, a elevá-la até aos mais altos cumes da contemplação. Ah! meu querido Irmãozinho, desde que me foi dado compreender também o amor do Coração de Jesus, confesso que ele afastou do meu coração todo o temor. A lembrança das minhas faltas humilha-me, leva-me a nunca me apoiar na minha força que é só fraqueza, mas esta lembrança fala-me ainda mais de misericórdia e de amor».

 

137. As mentes moralizantes, que pretendem controlar a misericórdia e a graça, diriam que Teresa podia afirmar isto porque era uma santa, mas que um pecador não poderia dizer o mesmo. Ao fazê-lo, retiram à espiritualidade de Teresa a sua bela novidade que reflete o coração do Evangelho. Infelizmente, tornou-se comum em alguns círculos cristãos tentar aprisionar o Espírito Santo num esquema que lhes permita ter tudo sob a sua supervisão. Entretanto, esta sábia Doutora da Igreja desmente-os e contradiz diretamente esta interpretação redutiva com palavras muito claras: «Ainda que eu tivesse cometido todos os crimes possíveis, mesmo assim teria sempre a mesma confiança: sinto que toda essa multidão de ofensas seria como uma gota de água lançada num braseiro ardente».

 

138. À Irmã Maria, que a elogiava pelo seu amor generoso a Deus, disposto até ao martírio, responde longamente numa carta que é hoje um dos grandes marcos da história da espiritualidade. Esta página deveria ser lida milhares de vezes pela sua profundidade, clareza e beleza. Nela, Teresa ajuda a Irmã “do Sagrado Coração” a não concentrar esta devoção no âmbito da dor, já que alguns entendiam a reparação como uma espécie de primado dos sacrifícios ou de cumprimento moralista. Pelo contrário, ela resume tudo na confiança como a melhor oferta, agradável ao Coração de Cristo: «Os meus desejos de martírio não são nada, não são eles que me dão a confiança ilimitada que sinto no coração. Para dizer a verdade, são as riquezas espirituais que tornam alguém injusto, quando descansamos nelas com complacência, e cremos que são algo de grande. […] O que lhe agrada é ver-me amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que tenho na sua misericórdia…. Eis o meu único tesouro […]. Se desejais sentir alegria, sentir atração pelo sofrimento, é a vossa consolação que procurais […]. Compreendei que para amar Jesus, para ser a sua vítima de amor, quanto mais fraco se é, sem desejos, nem virtudes, tanto mais puro se está para as operações deste Amor consumador e transformante […]. Oh, como eu queria fazer-vos compreender o que sinto! Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor».

 

139. Em muitos dos seus textos, percebe-se a sua luta contra formas de espiritualidade demasiadamente centradas no esforço humano, no mérito próprio, na oferta de sacrifícios, em certas tarefas para “ganhar o céu”. Para Teresa, «o mérito não consiste em fazer nem em dar muito, mas antes em receber». Leiamos mais uma vez alguns destes textos muito significativos onde ela insiste num outro caminho, que é um caminho simples e rápido para ganhar o Senhor através do coração.

 

140. Assim escreve à sua irmã Leónia: «Garanto-te que Deus é muito melhor do que tu imaginas. Contenta-se com um olhar, com um suspiro de amor… Quanto a mim acho a perfeição muito fácil de praticar, porque compreendi que nada há a fazer senão ganhar Jesus pelo coração… Vê uma criancinha que acaba de arreliar a mãe […]. Se lhe estende os bracinhos sorrindo e dizendo: “Dá-me um beijo, não torno mais a fazer isso”, poderá a mãe deixar de a apertar contra o coração com meiguice e esquecer as suas travessuras?… No entanto, sabe muito bem que o seu querido filho cairá de novo na próxima ocasião, mas não tem importância: se ele tornar a ganhá-la pelo coração, nunca será castigado».

 

141. Numa carta ao padre Adolphe Roulland diz: «O meu caminho é todo de confiança e de amor, não compreendo as almas que têm medo de um Amigo tão terno. Às vezes quando leio certos tratados espirituais em que a perfeição é apresentada através de inúmeras dificuldades, rodeada por uma quantidade de ilusões, a minha pobre inteligência cansa-se muito depressa, fecho o sábio livro que me quebra a cabeça e me seca o coração e pego na Sagrada Escritura. Então tudo me parece luminoso, uma só palavra revela à minha alma horizontes infinitos, a perfeição parece-me fácil, vejo que basta reconhecer o próprio nada e abandonar-se como uma criança nos braços de Deus».

 

142. E dirigindo-se ao padre Maurice Bellière, a propósito de um pai de família, observa: «Não acredito que o coração do ditoso pai possa resistir à confiança filial do filho de quem conhece a sinceridade e o amor. Não ignora todavia que o filho mais uma vez cairá nas mesmas faltas, mas está disposto a perdoar-lhe sempre, se o filho sempre lhe falar ao coração».

 

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