SEDE DO AMOR DE DEUS

SEDE DO AMOR DE DEUS

93. A Bíblia mostra que uma abundância de água vivificante foi anunciada ao povo que tinha caminhado pelo deserto e esperava a libertação: «Tirareis água com alegria das fontes da salvação» (Is 12, 3). Os anúncios messiânicos assumiram a forma de uma fonte de água purificadora: «Derramarei sobre vós uma água pura e sereis purificados [...] introduzirei em vós um espírito novo» (Ez 36, 25-26). É a água que restituirá ao povo uma existência plena, como uma fonte que jorra do templo e, ao passar, derrama vida e saúde: «Eis que havia à beira da torrente grande quantidade de árvores, em cada uma das margens. [...] Por onde quer que a torrente passar, todo o ser vivo que se move viverá [...] porque aonde quer que esta água chegar, tornar-se-á salubre; e a vida desenvolver-se-á por toda a parte aonde ela chegar» (Ez 47, 7.9).

 

94. A festa judaica das Tendas ( Sukkot), que comemorava os quarenta anos no deserto, tinha gradualmente assumido o símbolo da água como elemento central, e previa para cada manhã um rito de oferenda de água, que se tornava muito solene no último dia da festa: fazia-se uma grande procissão até ao templo onde, finalmente, eram dadas sete voltas em torno do altar e, com grande alvoroço, se oferecia água a Deus.

 

95. O anúncio da chegada do tempo messiânico é apresentado como uma fonte aberta para o povo: «Derramarei sobre a casa de David e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de benevolência e de súplica. Eles contemplarão aquele a quem trespassaram. [...] Naquele dia, haverá uma fonte aberta para a casa de David e para os habitantes de Jerusalém, para a purificação do pecado e da impureza» (Zc 12, 10; 13, 1).

 

96. Um homem trespassado, uma fonte aberta, um espírito de benevolência e de súplica. Os primeiros cristãos inevitavelmente viam esta promessa cumprida no lado aberto de Cristo, fonte de onde brota a vida nova. Ao percorrermos o Evangelho de João, vemos como aquela profecia se cumpriu em Cristo.Contemplamos o seu lado trespassado, de onde jorrava a água do Espírito: «Um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água» (Jo 19, 34). E o evangelista acrescenta: «Hão-de olhar para aquele que trespassaram» (Jo 19, 37). Retoma assim o anúncio do profeta que prometia ao povo uma fonte aberta em Jerusalém, quando olhassem para o trespassado (cf. Zc 12, 10). A fonte aberta é o lado ferido de Jesus Cristo.

 

97. Notemos que o próprio Evangelho anuncia este momento sagrado, precisamente «no último dia, o mais solene da festa» das Tendas (Jo 7, 37). Naquele momento, Jesus bradou ao povo que celebrava, na grande procissão: «Se alguém tem sede, venha a mim […] hão de correr do seu coração rios de água viva» (Jo 7, 37-38). Para isso, era preciso que chegasse a sua “hora”, «porque Jesus ainda não tinha sido glorificado» (Jo 7, 39). Tudo se cumpriu na fonte transbordante da Cruz.

 

98. No Apocalipse, reaparece tanto o Trespassado – «Todos os olhos o verão, até mesmo os que o trespassaram» (Ap 1, 7) –, como a fonte aberta – «O que tem sede que se aproxime; e o que deseja beba gratuitamente da água da vida» (Ap 22, 17).

 

99. O lado trespassado é ao mesmo tempo a sede do amor, um amor que Deus declarou ao seu povo com tantas palavras diferentes que vale a pena recordar:

 

«És precioso aos meus olhos, […] te estimo e te amo» (Is 43, 4).

 

«Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria. Eis que Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos» (Is 49, 15-16).

 

«Ainda que os montes sejam abalados e tremam as colinas, o meu amor por ti nunca mais será abalado, e a minha aliança de paz nunca mais vacilará» (Is 54, 10).

 

«Amei-te com um amor eterno. Por isso, dilatei a misericórdia para contigo» (Jr 31, 3).

 

«O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará.Ele dança e grita de alegria por tua causa» (Sf 3, 17).

 

100. O profeta Oseias chega a falar do coração de Deus: «Segurava-os com laços humanos, com laços de amor» (Os 11, 4). Por causa desse mesmo amor desprezado, podia dizer: «O meu coração dá voltas dentro de mim, comovem-se as minhas entranhas» (Os 11, 8). Mas sempre vencerá a misericórdia (cf. Os 11, 9), que alcançará a sua expressão máxima em Cristo, palavra definitiva de amor.

 

101. No Coração trespassado de Cristo estão concentradas, escritas na carne, todas as expressões de amor das Escrituras. Não se trata de um amor simplesmente declarado, mas o seu lado aberto é fonte de vida para o amado; é aquela fonte que sacia a sede do seu povo. Como ensinou São João Paulo II, «os elementos essenciais desta devoção pertencem também de modo permanente à espiritualidade da Igreja ao longo da sua história; porque desde o princípio a Igreja elevou o seu olhar para o Coração de Cristo trespassado na Cruz».

 

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