TRÍPLICE AMOR

TRÍPLICE AMOR

64. Entretanto, não nos detemos só nos seus sentimentos humanos, por mais belos e comoventes que sejam, pois, contemplando o Coração de Cristo reconhecemos como nos seus sentimentos nobres e sadios, na sua ternura, no vibrar do seu afeto humano, se manifesta toda a verdade do seu amor divino e infinito. Assim o exprimiu Bento XVI: «Do horizonte infinito do seu amor, Deus quis entrar nos limites da história e da condição humana, assumiu um corpo e um coração; de modo que nós possamos contemplar e encontrar o infinito no finito, o Mistério invisível e inefável no Coração humano de Jesus, o Nazareno».

 

65. Na realidade, há um tríplice amor que está contido e nos deslumbra na imagem do Coração do Senhor. Primeiramente, o amor divino infinito que encontramos em Cristo. Mas, pensamos também na dimensão espiritual da humanidade do Senhor. Desde esse ponto de vista, «o coração de Cristo é símbolo de enérgica caridade, que, infundida em sua alma, constitui o precioso dote da sua vontade humana […]. Finalmente […] é símbolo do seu amor sensível».

 

66. Estes três amores não são capacidades separadas, funcionando de forma paralela ou desconexa, mas atuam e exprimem-se em conjunto e num fluxo constante de vida: «À luz da fé, pela qual cremos que na pessoa de Cristo estão unidas a natureza humana e a natureza divina, podemos conceber os estreitíssimos vínculos que existem entre o amor sensível do coração físico de Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o divino».

 

67. Por isso, entrando no Coração de Cristo, sentimo-nos amados por um coração humano, cheio de afetos e sentimentos como os nossos. A sua vontade humana quer amar-nos livremente, e esse querer espiritual está plenamente iluminado pela graça e pela caridade. Quando chegamos ao mais íntimo desse Coração, somos inundados pela glória incomensurável do seu amor infinito de Filho eterno, que já não podemos separar do seu amor humano. É precisamente no seu amor humano, e não afastando-nos dele, que encontramos o seu amor divino; encontramos «o infinito no finito».

 

68. É ensinamento constante e definitivo da Igreja que a nossa adoração da sua Pessoa é única, e abrange inseparavelmente tanto a sua natureza divina como a sua natureza humana. Desde os tempos antigos, a Igreja ensinou que devemos «adorar um único e mesmo Cristo, Filho de Deus e do homem, de duas e em duas naturezas inseparáveis e indivisas». E isto «com uma única adoração [...], visto que o Verbo veio a ser carne». De modo algum Cristo é «adorado em duas naturezas, introduzindo com isto duas adorações», mas deve-se «venerar com única adoração o Deus Verbo encarnado junto com a sua carne».

 

69. São João da Cruz quis exprimir que, na experiência mística, o amor incomensurável de Cristo ressuscitado não é sentido como estranho à nossa vida. O Infinito de algum modo desce para que, através do Coração aberto de Cristo, possamos experimentar um encontro de amor verdadeiramente recíproco: «É bem possível que a ave de voo baixo possa prender a Águia-real das alturas, quando Ela Se abaixa querendo ser presa». E explica que «vendo a esposa ferida pelo seu amor, acorre ao seu gemido, ferido também Ele pelo amor dela; é que, nos apaixonados, a ferida de um é de ambos, e os dois sentem o mesmo». Este místico entende a figura do lado ferido de Cristo como um apelo à plena união com o Senhor. Ele é o cervo vulnerado, ferido quando ainda não nos tínhamos deixado tocar pelo seu amor, que desce às correntes de água para saciar a sua própria sede e que encontra conforto sempre que nos dirigimos a Ele:

 

«Volta, minha pomba,

Que, ferido, o veado

Lá no outeiro assoma

Ao sopro do teu voo e o fresco toma».

 

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