EVANGELII GAUDIUM
EVANGELII GAUDIUM
OPÇÃO DESTE SITE:

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
O ANÚNCIO DO EVANGELHO
NO MUNDO ACTUAL
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1. A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos.
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I. ALEGRIA QUE SE RENOVA E COMUNICA
II. A DOCE E RECONFORTANTE ALEGRIA DE EVANGELIZAR
UMA ETERNA NOVIDADE
III. A NOVA EVANGELIZAÇÃO PARA A TRANSMISSÃO DA FÉ
IV. A PROPOSTA DESTA EXORTAÇÃO E SEUS CONTORNOS

19. A evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28, 19-20). Nestes versículos, aparece o momento em que o Ressuscitado envia os seus a pregar o Evangelho em todos os tempos e lugares, para que a fé n’Ele se estenda a todos os cantos da terra.
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I. UMA IGREJA «EM SAÍDA»
II. «PRIMEIREAR», ENVOLVER-SE, ACOMPANHAR, FRUTIFICAR E FESTEJAR
PASTORAL EM CONVERSÃO
UMA RENOVAÇÃO ECLESIAL INADIÁVEL
III. A PARTIR DO CORAÇÃO DO EVANGELHO
IV. A MISSÃO QUE SE ENCARNA NAS LIMITAÇÕES HUMANAS
V. UMA MÃE DE CORAÇÃO ABERTO
50. Antes de falar de algumas questões fundamentais relativas à acção evangelizadora, convém recordar brevemente o contexto em que temos de viver e agir. É habitual hoje falar-se dum «excesso de diagnóstico», que nem sempre é acompanhado por propostas resolutivas e realmente aplicáveis. Por outro lado, também não nos seria de grande proveito um olhar puramente sociológico, que tivesse a pretensão, com a sua metodologia, de abraçar toda a realidade de maneira supostamente neutra e asséptica. O que quero oferecer situa-se mais na linha dum discernimento evangélico. É o olhar do discípulo missionário que «se nutre da luz e da força do Espírito Santo».
51. Não é função do Papa oferecer uma análise detalhada e completa da realidade contemporânea, mas animo todas as comunidades a «uma capacidade sempre vigilante de estudar os sinais dos tempos». Trata-se duma responsabilidade grave, pois algumas realidades hodiernas, se não encontrarem boas soluções, podem desencadear processos de desumanização tais que será difícil depois retroceder. É preciso esclarecer o que pode ser um fruto do Reino e também o que atenta contra o projecto de Deus. Isto implica não só reconhecer e interpretar as moções do espírito bom e do espírito mau, mas também – e aqui está o ponto decisivo – escolher as do espírito bom e rejeitar as do espírito mau. Pressuponho as várias análises que ofereceram os outros documentos do Magistério universal, bem como as propostas pelos episcopados regionais e nacionais. Nesta Exortação, pretendo debruçar-me, brevemente e numa perspectiva pastoral, apenas sobre alguns aspectos da realidade que podem deter ou enfraquecer os dinamismos de renovação missionária da Igreja, seja porque afectam a vida e a dignidade do povo de Deus, seja porque incidem sobre os sujeitos que mais directamente participam nas instituições eclesiais e nas tarefas de evangelização.

52. A humanidade vive, neste momento, uma viragem histórica, que podemos constatar nos progressos que se verificam em vários campos. São louváveis os sucessos que contribuem para o bem-estar das pessoas, por exemplo, no âmbito da saúde, da educação e da comunicação. Todavia não podemos esquecer que a maior parte dos homens e mulheres do nosso tempo vive o seu dia a dia precariamente, com funestas consequências. Aumentam algumas doenças. O medo e o desespero apoderam-se do coração de inúmeras pessoas, mesmo nos chamados países ricos. A alegria de viver frequentemente se desvanece; crescem a falta de respeito e a violência, a desigualdade social torna-se cada vez mais patente. É preciso lutar para viver, e muitas vezes viver com pouca dignidade. Esta mudança de época foi causada pelos enormes saltos qualitativos, quantitativos, velozes e acumulados que se verificam no progresso científico, nas inovações tecnológicas e nas suas rápidas aplicações em diversos âmbitos da natureza e da vida. Estamos na era do conhecimento e da informação, fonte de novas formas dum poder muitas vezes anónimo.
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NÃO A UMA ECONOMIA DA EXCLUSÃO
NÃO À NOVA IDOLATRIA DO DINHEIRO
NÃO A UM DINHEIRO QUE GOVERNA EM VEZ DE SERVIR
NÃO À DESIGUALDADE SOCIAL QUE GERA VIOLÊNCIA
ALGUNS DESAFIOS CULTURAIS
DESAFIOS DA INCULTURAÇÃO DA FÉ
DESAFIOS DAS CULTURAS URBANAS

76. Sinto uma enorme gratidão pela tarefa de quantos trabalham na Igreja. Não quero agora deter-me na exposição das actividades dos vários agentes pastorais, desde os Bispos até ao mais simples e ignorado dos serviços eclesiais. Prefiro reflectir sobre os desafios que todos eles enfrentam no meio da cultura globalizada actual. Mas, antes de tudo e como dever de justiça, tenho a dizer que é enorme a contribuição da Igreja no mundo actual. A nossa tristeza e vergonha pelos pecados de alguns membros da Igreja, e pelos próprios, não devem fazer esquecer os inúmeros cristãos que dão a vida por amor: ajudam tantas pessoas seja a curar-se seja a morrer em paz em hospitais precários, acompanham as pessoas que caíram escravas de diversos vícios nos lugares mais pobres da terra, prodigalizam-se na educação de crianças e jovens, cuidam de idosos abandonados por todos, procuram comunicar valores em ambientes hostis, e dedicam-se de muitas outras maneiras que mostram o imenso amor à humanidade inspirado por Deus feito homem. Agradeço o belo exemplo que me dão tantos cristãos que oferecem a sua vida e o seu tempo com alegria. Este testemunho faz-me muito bem e me apoia na minha aspiração pessoal de superar o egoísmo para uma dedicação maior.
77. Apesar disso, como filhos desta época, todos estamos de algum modo sob o influxo da cultura globalizada actual, que, sem deixar de apresentar valores e novas possibilidades, pode também limitar-nos, condicionar-nos e até mesmo combalir-nos. Reconheço que precisamos de criar espaços apropriados para motivar e sanar os agentes pastorais, «lugares onde regenerar a sua fé em Jesus crucificado e ressuscitado, onde compartilhar as próprias questões mais profundas e as preocupações quotidianas, onde discernir em profundidade e com critérios evangélicos sobre a própria existência e experiência, com o objectivo de orientar para o bem e a beleza as próprias opções individuais e sociais». Ao mesmo tempo, quero chamar a atenção para algumas tentações que afectam, particularmente nos nossos dias, os agentes pastorais.
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SIM AO DESAFIO DUMA ESPIRITUALIDADE MISSIONÁRIA
NÃO À ACÉDIA EGOÍSTA
NÃO AO PESSIMISMO ESTÉRIL
SIM ÀS RELAÇÕES NOVAS GERADAS POR JESUS CRISTO
NÃO AO MUNDANISMO ESPIRITUAL
NÃO À GUERRA ENTRE NÓS
OUTROS DESAFIOS ECLESIAIS

110. Depois de considerar alguns desafios da realidade actual, quero agora recordar o dever que incumbe sobre nós em toda e qualquer época e lugar, porque «não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor» e sem existir uma «primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização». Recolhendo as preocupações dos Bispos asiáticos, João Paulo II afirmou que, se a Igreja «deve realizar o seu destino providencial, então uma evangelização entendida como o jubiloso, paciente e progressivo anúncio da Morte salvífica e Ressurreição de Jesus Cristo há-de ser a vossa prioridade absoluta». Isto é válido para todos.

111. A evangelização é dever da Igreja. Este sujeito da evangelização, porém, é mais do que uma instituição orgânica e hierárquica; é, antes de tudo, um povo que peregrina para Deus. Trata-se certamente de um mistério que mergulha as raízes na Trindade, mas tem a sua concretização histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária expressão institucional. Proponho que nos detenhamos um pouco nesta forma de compreender a Igreja, que tem o seu fundamento último na iniciativa livre e gratuita de Deus.
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UM POVO PARA TODOS
UM POVO COM MUITOS ROSTOS
TODOS SOMOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS
A FORÇA EVANGELIZADORA DA PIEDADE POPULAR
DE PESSOA A PESSOA
CARISMAS AO SERVIÇO DA COMUNHÃO EVANGELIZADORA
CULTURA, PENSAMENTO E EDUCAÇÃO

135. Consideremos agora a pregação dentro da Liturgia, que requer uma séria avaliação por parte dos Pastores. Deter-me-ei particularmente, e até com certa meticulosidade, na homilia e sua preparação, porque são muitas as reclamações relacionadas com este ministério importante, e não podemos fechar os ouvidos. A homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De facto, sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento.
136. Renovemos a nossa confiança na pregação, que se funda na convicção de que é Deus que deseja alcançar os outros através do pregador e de que Ele mostra o seu poder através da palavra humana. São Paulo fala vigorosamente sobre a necessidade de pregar, porque o Senhor quis chegar aos outros por meio também da nossa palavra (cf. Rm 10, 14-17). Com a palavra, Nosso Senhor conquistou o coração da gente. De todas as partes, vinham para O ouvir (cf. Mc 1, 45). Ficavam maravilhados, «bebendo» os seus ensinamentos (cf. Mc 6, 2). Sentiam que lhes falava como quem tem autoridade (cf. Mc 1, 27). E os Apóstolos, que Jesus estabelecera «para estarem com Ele e para os enviar a pregar» (Mc 3, 14), atraíram para o seio da Igreja todos os povos com a palavra (cf. Mc 16, 15.20).
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O CONTEXTO LITÚRGICO
A CONVERSA DA MÃE
PALAVRAS QUE ABRASAM OS CORAÇÕES

145. A preparação da pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar-lhe um tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral. Com muita amizade, quero deter-me a propor um itinerário de preparação da homilia. Trata-se de indicações que, para alguns, poderão parecer óbvias, mas considero oportuno sugeri-las para recordar a necessidade de dedicar um tempo privilegiado a este precioso ministério. Alguns párocos sustentam frequentemente que isto não é possível por causa de tantas incumbências que devem desempenhar; todavia atrevo-me a pedir que todas as semanas se dedique a esta tarefa um tempo pessoal e comunitário suficientemente longo, mesmo que se tenha de dar menos tempo a outras tarefas também importantes. A confiança no Espírito Santo que actua na pregação não é meramente passiva, mas activa e criativa. Implica oferecer-se como instrumento (cf. Rm 12, 1), com todas as próprias capacidades, para que possam ser utilizadas por Deus. Um pregador que não se prepara não é «espiritual»: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu.
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O CULTO DA VERDADE
A PERSONALIZAÇÃO DA PALAVRA
A LEITURA ESPIRITUAL
À ESCUTA DO POVO
RECURSOS PEDAGÓGICOS

160. O mandato missionário do Senhor inclui o apelo ao crescimento da fé, quando diz: «ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado» (Mt 28, 20). Daqui se vê claramente que o primeiro anúncio deve desencadear também um caminho de formação e de amadurecimento. A evangelização procura também o crescimento, o que implica tomar muito a sério em cada pessoa o projecto que Deus tem para ela. Cada ser humano precisa sempre mais de Cristo, e a evangelização não deveria deixar que alguém se contente com pouco, mas possa dizer com plena verdade: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20).
161. Não seria correcto que este apelo ao crescimento fosse interpretado, exclusiva ou prioritariamente, como formação doutrinal. Trata-se de «cumprir» aquilo que o Senhor nos indicou como resposta ao seu amor, sobressaindo, junto com todas as virtudes, aquele mandamento novo que é o primeiro, o maior, o que melhor nos identifica como discípulos: «É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12). É evidente que, quando os autores do Novo Testamento querem reduzir a mensagem moral cristã a uma última síntese, ao mais essencial, apresentam-nos a exigência irrenunciável do amor ao próximo: «Quem ama o próximo cumpre plenamente a lei. (…) É no amor que está o pleno cumprimento da lei» (Rm 13, 8.10). De igual modo, para São Paulo, o mandamento do amor não só resume a lei mas constitui o centro e a razão de ser da mesma: «Toda a lei se cumpre plenamente nesta única palavra: Ama o teu próximo como a ti mesmo» (Gal 5, 14). E, às suas comunidades, apresenta a vida cristã como um caminho de crescimento no amor: «O Senhor vos faça crescer e superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos» (1 Ts 3, 12). Também São Tiago exorta os cristãos a cumprir «a lei do Reino, de acordo com a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (2, 8), acabando por não citar nenhum preceito.
162. Entretanto, este caminho de resposta e crescimento aparece sempre precedido pelo dom, porque o antecede aquele outro pedido do Senhor: «baptizando-os em nome...» (Mt 28, 19). A adopção como filhos que o Pai oferece gratuitamente e a iniciativa do dom da sua graça (cf. Ef 2, 8-9; 1 Cor 4, 7) são a condição que torna possível esta santificação constante, que agrada a Deus e Lhe dá glória. É deixar-se transformar em Cristo, vivendo progressivamente «de acordo com o Espírito» (Rm 8, 5).
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UMA CATEQUESE QUERIGMÁTICA E MISTAGÓGICA
O ACOMPANHAMENTO PESSOAL DOS PROCESSOS DE CRESCIMENTO
AO REDOR DA PALAVRA DE DEUS

176. Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo. «Nenhuma definição parcial e fragmentada, porém, chegará a dar razão da realidade rica, complexa e dinâmica que é a evangelização, a não ser com o risco de a empobrecer e até mesmo de a mutilar». Desejo agora partilhar as minhas preocupações relacionadas com a dimensão social da evangelização, precisamente porque, se esta dimensão não for devidamente explicitada, corre-se sempre o risco de desfigurar o sentido autêntico e integral da missão evangelizadora.

177.O querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade.
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CONFISSÃO DA FÉ E COMPROMISSO SOCIAL
O REINO QUE NOS SOLICITA
A DOUTRINA DA IGREJA SOBRE AS QUESTÕES SOCIAIS

186. Deriva da nossa fé em Cristo, que Se fez pobre e sempre Se aproximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade.
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UNIDOS A DEUS, OUVIMOS UM CLAMOR
FIDELIDADE AO EVANGELHO, PARA NÃO CORRER EM VÃO
O LUGAR PRIVILEGIADO DOS POBRES NO POVO DE DEUS
ECONOMIA E DISTRIBUIÇÃO DAS ENTRADAS
CUIDAR DA FRAGILIDADE

217. Falámos muito sobre a alegria e o amor, mas a Palavra de Deus menciona também o fruto da paz (cf. Gal 5, 22).
218. A paz social não pode ser entendida como irenismo ou como mera ausência de violência obtida pela imposição de uma parte sobre as outras. Também seria uma paz falsa aquela que servisse como desculpa para justificar uma organização social que silencie ou tranquilize os mais pobres, de modo que aqueles que gozam dos maiores benefícios possam manter o seu estilo de vida sem sobressaltos, enquanto os outros sobrevivem como podem. As reivindicações sociais, que têm a ver com a distribuição das entradas, a inclusão social dos pobres e os direitos humanos não podem ser sufocados com o pretexto de construir um consenso de escritório ou uma paz efémera para uma minoria feliz. A dignidade da pessoa humana e o bem comum estão por cima da tranquilidade de alguns que não querem renunciar aos seus privilégios. Quando estes valores são afectados, é necessária uma voz profética.
219. E a paz também «não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário das forças. Constrói-se, dia a dia, na busca duma ordem querida por Deus, que traz consigo uma justiça mais perfeita entre os homens». Enfim, uma paz que não surja como fruto do desenvolvimento integral de todos, não terá futuro e será sempre semente de novos conflitos e variadas formas de violência.
220. Em cada nação, os habitantes desenvolvem a dimensão social da sua vida, configurando-se como cidadãos responsáveis dentro de um povo e não como massa arrastada pelas forças dominantes. Lembremo-nos que «ser cidadão fiel é uma virtude, e a participação na vida política é uma obrigação moral». Mas, tornar-se um povo é algo mais, exigindo um processo constante no qual cada nova geração está envolvida. É um trabalho lento e árduo que exige querer integrar-se e aprender a fazê-lo até se desenvolver uma cultura do encontro numa harmonia pluriforme.
221. Para avançar nesta construção de um povo em paz, justiça e fraternidade, há quatro princípios relacionados com tensões bipolares próprias de toda a realidade social. Derivam dos grandes postulados da Doutrina Social da Igreja, que constituem o «primeiro e fundamental parâmetro de referência para a interpretação e o exame dos fenómenos sociais». À luz deles, desejo agora propor estes quatro princípios que orientam especificamente o desenvolvimento da convivência social e a construção de um povo onde as diferenças se harmonizam dentro de um projecto comum. Faço-o na convicção de que a sua aplicação pode ser um verdadeiro caminho para a paz dentro de cada nação e no mundo inteiro.
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O TEMPO É SUPERIOR AO ESPAÇO
A UNIDADE PREVALECE SOBRE O CONFLITO
A REALIDADE É MAIS IMPORTANTE DO QUE A IDEIA
O TODO É SUPERIOR À PARTE

238. A evangelização implica também um caminho de diálogo. Neste momento, existem sobretudo três campos de diálogo onde a Igreja deve estar presente, cumprindo um serviço a favor do pleno desenvolvimento do ser humano e procurando o bem comum: o diálogo com os Estados, com a sociedade – que inclui o diálogo com as culturas e as ciências – e com os outros crentes que não fazem parte da Igreja Católica. Em todos os casos, «a Igreja fala a partir da luz que a fé lhe dá», oferece a sua experiência de dois mil anos e conserva sempre na memória as vidas e sofrimentos dos seres humanos. Isto ultrapassa a razão humana, mas também tem um significado que pode enriquecer a quantos não crêem e convida a razão a alargar as suas perspectivas.
239. A Igreja proclama o «evangelho da paz» (Ef 6, 15) e está aberta à colaboração com todas as autoridades nacionais e internacionais para cuidar deste bem universal tão grande. Ao anunciar Jesus Cristo, que é a paz em pessoa (cf. Ef 2, 14), a nova evangelização incentiva todo o baptizado a ser instrumento de pacificação e testemunha credível duma vida reconciliada. É hora de saber como projectar, numa cultura que privilegie o diálogo como forma de encontro, a busca de consenso e de acordos mas sem a separar da preocupação por uma sociedade justa, capaz de memória e sem exclusões. O autor principal, o sujeito histórico deste processo, é a gente e a sua cultura, não uma classe, uma fracção, um grupo, uma elite. Não precisamos de um projecto de poucos para poucos, ou de uma minoria esclarecida ou testemunhal que se aproprie de um sentimento colectivo. Trata-se de um acordo para viver juntos, de um pacto social e cultural.
240. O cuidado e a promoção do bem comum da sociedade compete ao Estado. Este, com base nos princípios de subsidiariedade e solidariedade e com um grande esforço de diálogo político e criação de consensos, desempenha um papel fundamental – que não pode ser delegado – na busca do desenvolvimento integral de todos. Este papel exige, nas circunstâncias actuais, uma profunda humildade social.
241. No diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em acções políticas.
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O DIÁLOGO ENTRE A FÉ, A RAZÃO E AS CIÊNCIAS
O DIÁLOGO ECUMÉNICO
AS RELAÇÕES COM O JUDAÍSMO
O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO
O DIÁLOGO SOCIAL NUM CONTEXTO DE LIBERDADE RELIGIOSA

259. Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem medo à acção do Espírito Santo. No Pentecostes, o Espírito faz os Apóstolos saírem de si mesmos e transforma-os em anunciadores das maravilhas de Deus, que cada um começa a entender na própria língua. Além disso, o Espírito Santo infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia (parresia), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contra-corrente. Invoquemo-Lo hoje, bem apoiados na oração, sem a qual toda a acção corre o risco de ficar vã e o anúncio, no fim de contas, carece de alma. Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa Nova, não só com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus.
260. Neste último capítulo, não vou oferecer uma síntese da espiritualidade cristã, nem desenvolverei grandes temas como a oração, a adoração eucarística ou a celebração da fé, sobre os quais já possuímos preciosos textos do Magistério e escritos célebres de grandes autores. Não pretendo substituir nem superar tanta riqueza. Limitar-me-ei simplesmente a propor algumas reflexões acerca do espírito da nova evangelização.
261. Quando se diz de uma realidade que tem «espírito», indica-se habitualmente uma moção interior que impele, motiva, encoraja e dá sentido à acção pessoal e comunitária. Uma evangelização com espírito é muito diferente de um conjunto de tarefas vividas como uma obrigação pesada, que quase não se tolera ou se suporta como algo que contradiz as nossas próprias inclinações e desejos. Como gostaria de encontrar palavras para encorajar uma estação evangelizadora mais ardorosa, alegre, generosa, ousada, cheia de amor até ao fim e feita de vida contagiante! Mas sei que nenhuma motivação será suficiente, se não arde nos corações o fogo do Espírito. Em suma, uma evangelização com espírito é uma evangelização com o Espírito Santo, já que Ele é a alma da Igreja evangelizadora. Antes de propor algumas motivações e sugestões espirituais, invoco uma vez mais o Espírito Santo; peço-Lhe que venha renovar, sacudir, impelir a Igreja numa decidida saída para fora de si mesma a fim de evangelizar todos os povos.
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262. Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que rezam e trabalham. Do ponto de vista da evangelização, não servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso compromisso social e missionário, nem os discursos e acções sociais e pastorais sem uma espiritualidade que transforme o coração. Estas propostas parciais e desagregadoras alcançam só pequenos grupos e não têm força de ampla penetração, porque mutilam o Evangelho. É preciso cultivar sempre um espaço interior que dê sentido cristão ao compromisso e à actividade. Sem momentos prolongados de adoração, de encontro orante com a Palavra, de diálogo sincero com o Senhor, as tarefas facilmente se esvaziam de significado, quebrantamo-nos com o cansaço e as dificuldades, e o ardor apaga-se. A Igreja não pode dispensar o pulmão da oração, e alegra-me imenso que se multipliquem, em todas as instituições eclesiais, os grupos de oração, de intercessão, de leitura orante da Palavra, as adorações perpétuas da Eucaristia. Ao mesmo tempo, «há que rejeitar a tentação duma espiritualidade intimista e individualista, que dificilmente se coaduna com as exigências da caridade, com a lógica da encarnação». Há o risco de que alguns momentos de oração se tornem uma desculpa para evitar de dedicar a vida à missão, porque a privatização do estilo de vida pode levar os cristãos a refugiarem-se nalguma falsa espiritualidade.
263. É salutar recordar-se dos primeiros cristãos e de tantos irmãos ao longo da história que se mantiveram transbordantes de alegria, cheios de coragem, incansáveis no anúncio e capazes de uma grande resistência activa. Há quem se console, dizendo que hoje é mais difícil; temos, porém, de reconhecer que o contexto do Império Romano não era favorável ao anúncio do Evangelho, nem à luta pela justiça, nem à defesa da dignidade humana. Em cada momento da história, estão presentes a fraqueza humana, a busca doentia de si mesmo, a comodidade egoísta e, enfim, a concupiscência que nos ameaça a todos. Isto está sempre presente, sob uma roupagem ou outra; deriva mais da limitação humana que das circunstâncias. Por isso, não digamos que hoje é mais difícil; é diferente. Em vez disso, aprendamos com os Santos que nos precederam e enfrentaram as dificuldades próprias do seu tempo. Com esta finalidade, proponho-vos que nos detenhamos a recuperar algumas motivações que nos ajudem a imitá-los nos nossos dias.
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O ENCONTRO PESSOAL COM O AMOR DE JESUS QUE NOS SALVA
O PRAZER ESPIRITUAL DE SER POVO
A ACÇÃO MISTERIOSA DO RESSUSCITADO E DO SEU ESPÍRITO
A FORÇA MISSIONÁRIA DA INTERCESSÃO

284. Juntamente com o Espírito Santo, sempre está Maria no meio do povo. Ela reunia os discípulos para O invocarem (Act 1, 14), e assim tornou possível a explosão missionária que se deu no Pentecostes. Ela é a Mãe da Igreja evangelizadora e, sem Ela, não podemos compreender cabalmente o espírito da nova evangelização.
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