IA E AS RELAÇÕES HUMANAS

IA E AS RELAÇÕES HUMANAS

56. O Concílio Vaticano II afirma que, por «sua íntima natureza, o ser humano é um ser social e, sem relações com os outros, não pode viver nem desenvolver suas capacidades» [113]. Essa visão enfatiza que a vida em sociedade é parte da natureza e da vocação humana [114]. Como seres sociais, os humanos buscam relações que envolvam troca mútua e a busca da verdade, na qual, «para ajudar-se mutuamente nessa busca, revelam uns aos outros a verdade que descobriram ou acreditam ter descoberto» [115].

 

57. Essa busca, juntamente com outros aspectos da comunicação humana, pressupõe o encontro e a troca mútua entre pessoas que trazem consigo suas histórias, pensamentos, convicções e relações. Além disso, não podemos esquecer que a inteligência humana é uma realidade múltipla, complexa e dinâmica: ao mesmo tempo individual e social; racional e afetiva; conceitual e simbólica. O Papa Francisco destaca essa dinâmica ao observar que «podemos buscar juntos a verdade no diálogo, em conversas tranquilas ou em debates apaixonados. É um caminho perseverante, que inclui silêncios e sofrimentos, e que recolhe, com paciência, a vasta experiência das pessoas e dos povos. [...] O problema é que apenas espíritos livres e dispostos a encontros reais podem trilhar um caminho de fraternidade, local e universal» [116].

 

58. É nesse contexto que devem ser consideradas as questões que a IA apresenta às relações humanas. Como outras ferramentas tecnológicas, a IA tem o potencial de fortalecer as conexões dentro da família humana. Contudo, também pode dificultar um verdadeiro encontro com a realidade, levando, em última instância, a «uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou a um isolamento prejudicial»[117]. As autênticas relações humanas requerem a riqueza do encontro com os outros, compartilhando suas dores, preocupações e alegrias [118].

 

59. Uma vez que «a verdadeira sabedoria pressupõe o encontro com a realidade»[119], os avanços da IA trazem um desafio adicional: por ser capaz de imitar de forma eficaz o trabalho da inteligência humana, tornou-se menos óbvio saber se estamos interagindo com uma pessoa ou com uma máquina. Embora a IA “generativa” consiga criar textos, discursos, imagens e outros resultados avançados, ela deve ser reconhecida pelo que é: uma ferramenta, e não uma pessoa [120]. Essa distinção é frequentemente obscurecida pela linguagem usada por profissionais do setor, que tende a antropomorfizar a IA, confundindo as linhas entre o humano e o artificial.

 

60. A antropomorfização da IA apresenta desafios específicos no crescimento das crianças, que podem ser incentivadas a desenvolver padrões de interação que tratam as relações humanas de forma utilitarista, como ocorre com os chatbots. Isso pode levar os jovens a enxergar professores como meros transmissores de informações, em vez de mestres que orientam e apoiam seu crescimento intelectual e moral. Relações genuínas, fundamentadas na empatia e no compromisso leal com o bem do outro, são indispensáveis para o pleno desenvolvimento da pessoa.

 

61. Nesse sentido, é importante esclarecer que, mesmo recorrendo a uma terminologia antropomórfica, nenhuma aplicação de IA é capaz de sentir empatia genuína. Emoções não podem ser reduzidas a expressões faciais ou frases geradas em resposta às solicitações de um usuário; elas envolvem a forma como a pessoa, em sua totalidade, se relaciona com o mundo e com sua própria vida, com um papel central para o corpo. A empatia requer capacidade de escuta, reconhecimento da unicidade irreduzível do outro, acolhimento de sua alteridade e compreensão de seus silêncios [121]. A verdadeira empatia, por ser profundamente relacional e pessoal, não pode ser replicada por sistemas artificiais [123].

 

62. Assim, é essencial evitar representar a IA erroneamente como uma pessoa. Usar a IA para enganar em contextos como educação ou relações humanas – incluindo a esfera da sexualidade – é imoral e exige vigilância para prevenir danos, manter a transparência e proteger a dignidade de todos [124].

 

63. Em uma sociedade cada vez mais individualista, algumas pessoas recorrem à IA buscando relações humanas profundas, simples companhia ou até vínculos afetivos. No entanto, mesmo reconhecendo que os seres humanos foram feitos para viver relacionamentos autênticos, é preciso reafirmar que a IA pode apenas simulá-los. Essas relações, com outros seres humanos, são indispensáveis para que a pessoa cresça em direção ao que é chamada a ser. Quando a IA é usada para facilitar contatos genuínos entre as pessoas, ela pode contribuir positivamente para a realização plena da pessoa. Mas, se substitui as relações humanas e a conexão com Deus por interações com tecnologias, corre-se o risco de substituir a verdadeira relacionalidade por uma simulação sem vida (cf. Sl 160,20; Rm 1,22-23). Em vez de nos refugiarmos em mundos artificiais, somos chamados a nos engajar de forma séria e comprometida com a realidade, identificando-nos com os pobres e os sofredores, consolando os que estão em dor e criando vínculos de comunhão com todos.

 

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