O DIÁLOGO - SANTA CATARINA DE SENA E O PAI ETERNO

CAPÍTULOS 1.1 A 1.3

1.1 - É PELO AMOR QUE O HOMEM SE UNE A DEUS

Estava certa pessoa arrebatada em grandíssimo desejo da glória divina e da salvação dos homens...Exercitara-se durante algum tempo na prática da virtude, vivendo habitualmente na cela do autoconhecimento para melhor conhecer a Deus presente em si mesma. Quem ama procura seguir a Verdade e...

1.2 - AS QUATRO PETIÇÕES

Desejando conhecer e seguir mais virilmente a Verdade, aquela serva elevou a Deus o seu anseio: primeiramente por si mesma, convencida de que ninguém pode ser de fato, útil aos demais através do ensino, do exemplo e da oração, se não cuidar de si pela aquisição das virtudes. Ela fez quatro petições...

1.3 – CATARINA SE OFERECE COMO VÍTIMA

O ardor era grande, contínuo. E aumentou ainda mais quando a Verdade Primeira lhe revelou as necessidades do mundo, mostrando lhe a sua confusão e pecados. Também espiritual ¹ falava uma de carta do sofrimentos diretor e dor intoleráveis, por causa das ofensas cometidas contra Deus, da condenação...

CAPÍTULOS 2.1 a 2.10

2.1 - A PENITÊNCIA SOZINHA NÃO DÁ REPARAÇÃO À CULPA

Então a Verdade eterna arrebatou em si, com maior violência, o desejo daquela serva. Tal qual acontecia no Antigo Testamento, quando o fogo do céu descia sobre os holocaustos oferecidos a Deus e consumia a oferenda a ele agradável, a doce Verdade enviou o fogo do Espírito Santo sobre aquela serva e...

2.2 - A CULPA É REPARADA PELO AMOR

Filha, fiz-te ver que a culpa não é reparada neste mundo pelos sofrimentos, suportados unicamente como sofrimentos, mas sim pelos sofrimentos aceitos com amor, com desejo , com interna contrição Não basta a força da mortificação; ocorre o anseio da alma. O mesmo acontece, aliás, com a caridade e...

2.3 - O CAMINHO DA VERDADE

Tu me pedes sofrimentos como reparação das ofensas cometidas contra mim pelos homens; desejas conhecer-me e amar-me como suma Verdade. O caminho para atingir o conhecimento verdadeiro e a experiência do meu ser - Vida eterna que sou - é este: nunca abandones o autoconhecimento! Ao desceres para o...

2.4 - A SATISFAÇÃO REPARADORA MEDE-SE PELO AMOR

Logo que tu e meus servidores conhecerdes a minha Verdade através daquele caminho, tereis de sofrer tribulações, ofensas e desprezos por palavras e ações, até à morte. Tudo isso, para glória e louvor do meu nome. Sim, padecerás, sofrerás. Tu e meus servidores, portanto, armai-vos de muita...

2.5 – SUMÁRIO E EXORTAÇÃO

Ficas assim sabendo que a penitência dá reparação à culpa através da contrição perfeita, não em força das mortificações em si mesmas. Relativamente aos que se acham na via da perfeição, repara-se não somente pela culpa, mas também pelo reato; quanto aos que se acham na via da perfeição, repara-se...

2.6 - TODA VIRTUDE É PRATICADA NO PRÓXIMO

  Vou explicar-te agora que toda virtude se realiza no próximo, bem como todo pecado. Toda pessoa que vive longe de mim prejudica o próximo; e a si, dado que cada um é o primeiro próximo de si mesmo. Tal prejuízo pode ser desordem geral ou pessoal. Em geral, porque sois obrigados a amar os...

2.7 - É NO HOMEM QUE SE AMA A DEUS

  Como disse, todos os pecados são cometidos através do próximo, no sentido de que eles são ausência da caridade, que é a forma de todas as virtudes. No mesmo sentido, o egoísmo, que é a negação do amor pelo próximo, constitui-se como razão e fundamento de todo o mal. Ele é a raiz dos...

2.8 - É NA DIFICULDADE QUE SE PROVAM AS VIRTUDES

  Acabei de explicar como, sendo útil ao próximo, o homem manifesta seu amor por mim. Agora vou dizer como cada pessoa mostra possuir a paciência ao ser injuriada pelos outros; a humildade, quando se acha diante do orgulhoso; a fé, diante do infiel; a esperança, na presença de quem nada...

2.9 - O CRISTÃO PRECISA DE HUMILDADE, CARIDADE E DISCERNIMENTO

  Tais são as ações santas e agradáveis, que exijo dos meus servidores, ou seja, as virtudes internas devidamente comprovadas. Eu não me contento com atos só exteriores, corporais, realizados em diferentes e numerosas mortificações, com atos que na realidade são apenas meios para se atingir a...

2.10 - DEUS QUER AÇÕES RETAS, NÃO PALAVRAS

  O que desejo do homem, como frutos da ação, é que prove suas virtudes na hora oportuna. Talvez ainda te recordes! Quando, há muito tempo, desejavas fazer grandes penitências por minha causa e perguntavas: "Que mortificações eu poderia fazer por ti?", eu te respondi no pensamento: "Sou aquele...

'

2.11 – SUMÁRIO E EXORTAÇÃO

  Acabas de ver como eu, a Verdade, revelei a ti os princípios pelos quais poderás atingir e conservar uma grande perfeição. Expus como dás reparações pela culpa e pelo reato em ti mesma e nos outros. A tal respeito eu ensinava que as mortificações suportadas pelo homem nesta vida mortal, por...

CAPÍTULOS 3.1 E 3.2

3.1 - ANGÚSTIAS E ESPERANÇAS DE CATARINA

  Então aquela serva sentiu-se cheia de ardor e inflamada de grandíssimo desejo. Experimentava interiormente inefável amor pela imensa bondade divina, ao tomar conhecimento e ver a extensão de seu amor. Como grande amabilidade, Deus se dignara de responder a sua petição; dignara-se também a...

3.2 - SÚPLICA À TRINDADE

  Meu Senhor, olha com misericórdia para o teu povo e para a hierarquia da santa Igreja. Se perdoares a tão numerosas criaturas, concedendo-lhes a iluminação da inteligência, serás mais glorificado que só por mim, pobrezinha que tanto pequei, responsável por todos os males. Livres das trevas...

 

CAPÍTULO 4.1 A 4.4

4.1 - TRISTE SITUAÇÃO DA IGREJA

  Então Deus Pai, deixando-se levar pelas lágrimas e reter pelos laços do desejo santo daquela serva, olhou misericordiosamente para ela e queixou-se nestes termos: - Filha muito amável, tuas lágrimas me coagem, porque estão unidas a mim e são derramadas por amor; prendem-me os teus...

4.2 - A OBRA REDENTORA DE CRISTO

  Estando a humanidade corrompida pelo pecado do primeiro homem, Adão, enviei o Verbo, meu Filho unigênito. Todos vós, vasos modelados no mesmo barro, estáveis contaminados e sem condições para aceder à vida eterna. Então eu, o Altíssimo, me uni à pequenez da vossa natureza humana. Desejava...

4.3 - RESPONSABILIDADES DOS CRISTÃOS

  Do pecado original, que contraís através do pai e da mãe na concepção, restou-vos somente uma cicatriz. Ela é apagada, embora não completamente, pelo batismo, ao qual o Sangue de Cristo concedeu a virtude de infundir a vida da graça. Quando alguém é batizado, imediatamente cancela-se o...

4.4 - OS SERVIDORES DE DEUS E A REFORMA DA IGREJA

Há um remédio capaz de aplacar minha ira. São os meus servidores, quando se esforçam por coagir-me ao perdão com suas lágrimas, por reter-me com os laços do amor. Com essa corrente tu me amarraste! Dei tais servidores a ti , porque desejava ser misericordioso para com o mundo. É por tal motivo que...

Então aumentou o conhecimento daquela serva. Imensamente alegre e confortada, colocou-se diante da majestade de Deus com muita esperança na misericórdia divina. Seu amor era inexprimível, pois via que o Senhor estava disposto a perdoar aos homens em sua bondade.

 

Embora se comportasse eles como inimigos, Deus providenciara o instrumento e o modo pelo qual seus servidores iriam cativar sua benevolência e aplacar sua ira.

 

Sentindo Deus a seu lado, aquela serva se alegrava, não temendo as perseguições do mundo. A chama do amor cresceu tanto , que ela se sentia não realizada; era com confiança, porém, que implorava pelo mundo.

 

Embora já estivesse contido na segunda petição o pedido da felicidade e bem-estar dos cristãos e não-cristãos, assim mesmo ela estendia sua prece em prol do mundo inteiro, conforme a inspiração do próprio Deus. Ela clamava:

 

- Deus eterno! misericórdia para com tuas criaturas. Tu és o bom Pastor. Não demores em ter piedade do mundo. Parece que os homens não estão mais unidos a ti, Verdade eterna. Nem mesmo entre si, pois não se amam com uma caridade baseada em ti.

 

 

Então Deus, ébrio de amor pela nossa salvação, encontrou um modo de aumentar ainda mais a caridade e a dor daquela serva, fazendo-a compreender com quanto amor criara a humanidade. Disto já falamos alguma coisa antes. Dizia-lhe: -Não vês como todos me ofendem? No entanto eu os criei numa grande chama de amor; dei-lhes graças e favores quase infinitos, gratuitamente, sem nenhum merecimento deles. Olha, minha filha, quanto me ofendem. Especialmente por egoísmo, do qual procedem todos os outros males. O amor-próprio tudo envenenou. Da mesma forma como a caridade contém todas as virtudes benéficas aos homens, assim o egoísmo procede do orgulho e contém todos os males. Por falta de amor, os homens praticam mutuamente o mal. Não me amam nem se amam. Estes dois amores vão sempre juntos. Por isto eu te dizia (2.5) que todo mal é feito no próximo.

 

Tenho muito a me queixar dos homens. De mim só receberam o bem e eles me odeiam, praticando toda espécie de mal. Afirmei que somente as lágrimas de meus servidores aplacarão minha ira. Torno a repeti-lo. Servidores meus, colocai-vos diante de mim com muita oração, repletos de dor e tristeza por causa das ofensas cometidas contra mim e por causa da condenação eterna dos maus. Mitigareis a ira do meu julgamento.

 

Ninguém escapará de minhas mãos. "Sou aquele que sou" (Ex 3.14) e vós, vós não possuís a razão do próprio ser. Sois aquilo que eu fiz. Criei tudo o que participa do ser; somente o pecado não procede de mim, porque é negação. Por não estar em mim, o pecado não merece amor. Quem o faz, ofende toda criação e odeia-me. O homem tem obrigação de me querer bem. Sou imensamente bom, dei-lhe o ser numa chama de caridade. Todavia, os maus fogem de mim. Mas por justiça ou misericórdia, ninguém escapa de minhas mãos.

 

Abre, pois, os olhos da fé e fixa-os em minhas mãos. Verás como é verdade o que acabei de dizer...

 

Então aquela serva, elevando o olhar da sua fé em obediência a Deus altíssimo, viu o universo nas suas mãos.

 

Dizia-lhe Deus: -Minha filha, convence-te de que ninguém me pode escapar! Pela justiça ou pela misericórdia, como disse acima, todos se encontram em minha mãos. Os homens me pertencem. Foram criados por mim, amo-os inefavelmente. Mesmo que sejam pecadores, eu lhes perdoarei graças aos meus servidores. Escutarei seus pedidos, quando formulados com amor e dor diante de mim.

 

 

Então aquela serva, inebriada e como que fora de si, sentiu aumentar o próprio amor. Sentia-se feliz e sofredora. Feliz, porque unida a Deus, inteiramente mergulhada na misericórdia divina, saboreando sua imensa bondade; sofredora, por ver os pecados cometidos contra uma tão sublime bondade. Ela agradecia à majestade divina, que lhe mostrava os pecados dos homens, à fim de obriga-la a empenhar-se mais no zelo e no amor. Renovaram-se em Deus os seus sentimento internos, elevou-se a chama do amor e, devido à influência da alma sobre o corpo, começou a suar. A união do espírito com Deus era maior do que com o corpo. Eram o vigor e o calor da caridade que a faziam suar. Mas a serva não se preocupava com o suor de água; seu desejo era ver sair do corpo suor de sangue. Dizia a si mesma: - Ó minha alma, perdeste todo o tempo de tua vida passada! Por isso sobrevieram tantos males à santa Igreja, uns em particular, outros em geral. Quero que remedeies esse fato com o suor de sangue...

 

Realmente, aquela serva recordava-se bem do ensinamento divino de conhecer a si mesma, de conhecer Deus em si, de fazer orações humildes, contínuas e santas, no intuito de remediar os males do mundo e aplacar a ira julgadora de Deus (2.3; 2.4). Impulsionada pelo desejo santo, afervorou-se mais ainda e na fé pôs-se a refletir sobre o amor de Deus. Ela compreendia experimentalmente quanto somos obrigados a desejar e promover a glória divina e a salvação da humanidade; ela via que, para tal missão, Deus chamava seus servidores, particularmente o diretor espiritual de sua alma. Então apresentou este último a Deus, rogando que infundisse nele a luz da graça, de modo que ele realmente seguisse a Verdade.

 

CAPÍTULOS 10.1 A 10.6

10.1 - O DIRETOR ESPIRITUAL

  Então Deus, respondendo à terceira petição - referente à salvação pessoal daquela serva - disse-lhe: - Filha, eis o meu desejo: que ele (o diretor espiritual) procure agradar-me mediante o ardor apostólico em grande zelo. Certamente nem ele, nem ninguém o fará livre de numerosas...

10.2 - JESUS CRISTO É UMA PONTE

  Acabo de dizer-te que fiz do meu Filho, o Verbo encarnado, uma ponte. É a realidade. Deveis saber, meus filhos, que a estrada (do céu) fora interrompida pela desobediência de Adão. Ninguém mais chegava à vida eterna. Não mais participando daqueles bens, em vista dos quais os criara, os...

10.3 - O RIO DO PECADO

Com o advento do pecado, imediatamente brotou um rio tempestuoso, cujas ondas continuam a açoitar a humanidade. São as misérias e males provenientes do próprio homem, do demônio e do mundo. Nele todos se afogavam; ninguém mais, graças às virtudes pessoais, atingia a vida eterna. Para remediar a...

10.4 - COMO CAMINHA A HUMANIDADE

  Usa a tua fé! Verás homens cegos e pecadores, homens imperfeitos, homens perfeitos que realmente me seguem. Desejo que chores a condenação dos maus, que exultes com a perfeição dos meus queridos filhos. Verás como andam os que seguem na luz, e aqueles que seguem pela escuridão. Mas antes,...

10.5 - GRANDIOSIDADE DA PONTE

  Como te disse (10.3), para ajudar-vos a deixar o mundo e chegar à vida eterna, foi preciso que eu reconstruísse a estrada interrompida. Com material puramente humano era impossível fazer uma ponte de envergadura tal, que atravessasse o rio do pecado e atingisse a vida eterna. Vossa natureza...

10.6 - COLABORAÇÃO HUMANA

  A estas alturas, a Verdade eterna fez ver (à serva) que - se nos criou sem a nossa colaboração -, sem ela não nos salvará. Deus quer que operemos voluntária e livremente, que preenchamos o espaço de nossa vida com as verdadeiras virtudes. Aos poucos, foi dizendo: - Todos vós deveis passar...

Então aquela serva, cheia de ardoroso amor, dizia: - Ó inestimável e doce caridade, quem não se inflama de tão grande amor? Ó abismo de amor! Pareces enlouquecer pelas tuas criaturas, quase que sem elas não pudesses viver. No entanto, és Deus e não precisas de nós. Nossas perfeições não te enriquecem; és imutável. Nossos males não te prejudicam; és a bondade suma e eterna. Somente o amor, não a obrigação, nem a necessidade, torna-te tão misericordioso. Não precisas de nós, réus que somos e ímpios devedores. Se bem compreendo, ó Verdade eterna, eu sou a ladra e tu o condenado em meu lugar, pois vejo teu Filho, o Verbo encarnado, pregado numa cruz. Conforme revelaste a esta miserável serva, dele fizeste uma ponte para mim. Por tudo isso, explode meu coração; nem podia deixar de fazê lo pela sede e desejo adquirido em ti. Recordo-me de que desejavas dizer-me quais são as pessoas que passam pela ponte, e quais são as que não passam. Com prazer eu veria e ouviria, se fosse do teu agrado explicar-me.

 

CAPÍTULOS 12.1 A 12.6

12.1 - DESCRIÇÃO DA PONTE

  Então o Pai eterno, a fim de atrair e incentivar aquela serva no trabalho da salvação dos homens, assim lhe respondeu: - Antes de revelar-te algo que tenho em mente sobre o assunto que me interrogas, quero descrever-te a ponte. Já disse (10.4) que ela se estende do céu à terra, graças à...

12.2 - CRISTO ATRAI A SI TODAS AS COISAS

  Essa ponte acha-se no alto, mas não separada dos homens. Sabes quando se ergueu? No momento em que Cristo foi elevado no lenho da cruz. Então, a natureza divina continuava unida à vossa pequenez; meu Filho amalgamara-se com a natureza humana. Antes de ser erguida, ninguém passava por tal...

12.3 - O MATERIAL DA PONTE

  O pavimento desta fonte é feito de pedras, a fim de que a chuva (da justiça divina) não retenha o caminhante. "Pedras" são as virtudes verdadeiras e reais. Antes da paixão de meu Filho, elas ainda não tinham sido assentadas, motivo pelo qual os antigos não atingiam o céu, mesmo que vivessem...

12.4 - OS DOIS CAMINHOS

  Para atravessar a ponte, chega-se a uma porta, que é o próprio Cristo; por ela todos os homens devem passar. Disse Jesus: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; quem vai por mim não caminha nas trevas, mas na luz" (Jo 8,12); e em outra passagem afirma que ninguém pode chegar a mim a não ser...

12.5 - CRISTO É PONTE PELA SUA MENSAGEM

  Quando meu Filho retornou a mim, quarenta dias após a ressurreição, aquela ponte se ausentou da terra, isto é, da convivência dos homens, e subiu ao céu pela força da divindade, sentando-se à minha direita. No dia da Ascensão, um anjo disse aos apóstolos, - que ali haviam ficado como mortos,...

12.6 - SUMÁRIO E EXORTAÇÃO

  Acabo de falar-te de maneira completa sobre a ponte: a ponte-pessoa e a ponte-mensagem, que constituem uma só coisa. Mostrei (12.5) quem indica o caminho verdadeiro aos que o desconhecem. São os apóstolos, os evangelistas, os mártires, os confessores, os santos doutores, colocados como...

 

Então aquela serva, ébria, incapaz de se dominar, como que em pé diante de Deus, dizia: - Ó misericórdia divina, que disfarças os defeitos humanos! Não me espanto que digas a quem deixa o pecado mortal e volta a ti: "Não me lembrarei mais de que me ofendeste". Não, misericórdia inefável, não me espanto de que fales assim a quem se converte. Surpreende-me que digas sobre os que te combatem; "Quero que oreis por eles, a fim de que eu os perdoe".

 

Ó misericórdia, Pai, que procede da tua divindade e que, pelo teu poder, governa o mundo inteiro. Tua misericórdia nos criou, tua misericórdia nos recriou no sangue de teu Filho, tua misericórdia nos conserva. Foi ela que levou Jesus a atirar-se aos braços da cruz na batalha da vida contra a morte, da morte contra a vida. Então a vida venceu a morte do pecado, enquanto a morte que vem do pecado destruiu a vida física do Cordeiro sem manchas. Mas quem foi o vencido? A morte! Quem o vencedor? Tua misericórdia.

 

Tua misericórdia produz a vida, concede a luz, revela o Espírito em todos os homens, santos e pecadores. Reluz nas alturas do céu, em teus santos; e, se me volto para a terra, como ela é abundante aqui! Tua misericórdia brilha mesmo na escuridão do inferno, porque não dá aos condenados todo o castigo que merecem. Com tua misericórdia mitigas a justiça; por tua misericórdia nos lavaste no sangue; por misericórdia vieste conviver com os homens.

 

Ó louco de amor! Não te foi suficiente nascer, quiseste até morrer; não te foi suficiente morrer, desceste à mansão dos mortos, de lá retirando os antigos pais, a fim de realizar neles a verdade e a misericórdia. Porque prometes o prêmio a quem te serve com retidão, desceste ao limbo para libertar os que te haviam servido, dando-lhes a recompensa pelos cansaços.

 

Vejo que a misericórdia te obrigou a conceder mais coisas ainda aos homens: ficaste como alimento! Por sermos fracos, (a eucaristia) nos alimenta; por sermos faltosos e esquecidiços, nos recorda os teus benefícios. Eis porque nos dás todo dia esse alimento, fazendo-te presente no sacramento do altar mediante a hierarquia da santa Igreja. Quem faz tudo isso? Tua misericórdia.

 

Ó misericórdia, afoga-se o meu coração ao pensar em ti! Para qualquer lado que me volte, só encontro misericórdia. Pai eterno, perdoa a minha insensatez, pois tive a ousadia de falar na tua presença. Que teu misericordioso amor me alcance o perdão diante da tua bondade!

 

 

CAPÍTULOS 14.1 A 14.8

14.1 - OS QUE VÃO PELO RIO DO PECADO

  Após falar com o coração aberto sobre a misericórdia divina, aquela serva esperava humildemente que se realizasse a promessa feita antes (12.1;2.6). Deus Pai retomou então a palavra e disse: - Filha muito querida, discorreste diante de mim sobre a misericórdia, porque eu te fiz compreender a...

14.2 - SEUS PRINCIPAIS DEFEITOS

  Os pecadores haviam recebido a graça no santo batismo; deles eu fizera árvores de amor. Transformaram-se em árvores de morte, pois estão mortos, como disse antes. Sabes onde nascem suas raízes? No solo do orgulho. Sua seiva é o egoísmo; medula, a impaciência; rebento, a falta de...

14.3 - JULGAMENTO FALSO E REPREENSÕES DIVINAS

  Por causa desses e de outros vícios, os pecadores pronunciam um falso julgamento, como passo a explicar-te. Embora sejam retas as minhas ações e praticadas com amor e justiça, eles continuamente se opõem a elas. Foi com semelhante falso juízo, envenenado ainda pela inveja e orgulho, que (os...

14.3.1 - A VOZ DA IGREJA

  A primeira repreensão iniciou, como acabei de dizer, com a vinda do Espírito Santo sobre os discípulos. Fortalecidos pelo meu poder, iluminados pela sabedoria do amado Filho, receberam a plenitude do Espírito Santo. Este, que é uma só coisa comigo e com meu Filho, repreendeu então o mundo...

14.3.2 - O JUÍZO PARTICULAR

  Os pecadores não podem desculpar-se. Continuamente são por mim convidados ao conhecimento da Verdade. Não se corrigindo enquanto podem fazê-lo, uma segunda repreensão os condenará. Ela acontece no último instante da vida, quando meu Filho chamar: "Surgite mortui, venite ad judicium"...

14.4 - A FELICIDADE DOS SANTOS

  Também o homem justo, ao encerrar sua vida terrena no amor, já não poderá progredir na virtude. Para sempre continuará a amar no grau de caridade que atingiu até chegar até mim. Também será julgado na proporção do amor. Continuamente me deseja, continuamente me possui; suas aspirações não...

14.5 – A CONDENAÇÃO ETERNA

  Ocupei-me da felicidade dos santos, para que entendesses melhor a infelicidade dos condenados ao inferno. Aliás, outro tormento destes últimos é ver quanto os bem-aventurados são felizes. Tal conhecimento acrescenta-lhes a pena, da mesma forma como a condenação dos maus leva os justos a...

14.6 – SUMÁRIO E EXORTAÇÃO

  É desse modo que chegam ao próprio fim os homens que vão pela estrada inferior, no rio do pecado, sem refletir e reconhecer as próprias culpas, sem implorar o perdão. Nas pegadas do demônio, pai da mentira, entram pela porta do engano e chegam à condenação eterna.   Vós, como filhos...

14.7 - OS PECADORES E O FIM DA VIDA

  Aos homens que caminham pela estrada da mentira resta apenas, qual fruto, a água morta 50 para onde o demônio os convida. Tendo perdido a iluminação fé, quais cegos e loucos sem entendimento seguiram-no, como se ele dissesse: "Quem tem sede de água-morta, venha a mim, que lha...

14.8 – A ILUSÃO DO PECADO

  Eu disse antes (14.7) que os demônios convidam os homens para a água-morta, a única que lhes pertence, cegando-os com prazeres e satisfações do mundo. Usa o anzol do prazer e fisga-os mediante a aparência de bem. Sabe ele que por outros caminhos nada conseguiria; sem o vislumbre de um bem ou...

CAPÍTULOS 14.9 A 14.14

14.9 – A INFELICIDADE DOS PECADORES

  Expliquei qual é a ilusão dos pecadores no seu desordenado temor e como sou um Deus imutável, livre da acepção de pessoas, unicamente atento ao desejo santo. Foi o que te revelei no simbolismo da árvore. Passo a falar dos que sofrem e dos que não sofrem ante os espinhos e dores que a terra...

14.10 - A FÉ MORTA DOS PECADORES

  Disse tais coisas, para que saibas melhor como os pecadores, pela acenada ilusão (14.8), vivem na certeza do inferno. Agora explico a origem de tal ilusão: a falta de fé proveniente do egoísmo.   Da mesma maneira como a Verdade é conhecida na luz da fé, assim a mentira e a ilusão brotam...

14.11 – OS PECADORES E AS RIQUEZAS

  Enganam-se, pois, os pecadores. Ao se privarem da luz da fé, tornam-se cegos e caminham tateando, agarrando-se a tudo que encontram. Com o olhar obscurecido, afeiçoam se aos bens materiais e passageiros, iludem-se como tolos que vêem o ouro e não o veneno.   Deves saber que as...

14.12 - OS PECADORES SOFREM

  Expliquei antes que é a vontade que faz o homem sofrer (14.9). Meus servidores não sofrem, porque se despojaram da vontade própria e se revestiram da minha. Eles vivem contentes, sentem minha presença em suas almas. Mesmo que possuíssem o mundo inteiro, não seriam felizes se eu estivesse...

14.13 – SUMÁRIO

  Compreendes assim como se iludem os pecadores (14.11) e com que sofrimentos caminharam para a condenação, quais "mártires" do diabo (14.12). Entendeste qual é a nuvem que os cega, vale dizer, o egoísmo, aquele "pano" que lhes encobre a luz do entendimento, a fé. Venham de onde vierem, as...

14.14 – CAMINHOS DE CONVERSÃO

  Passo a falar-te agora dos pecadores que, forçados pelos sofrimentos da vida e medo dos castigos futuros, procuram livrar-se do egoísmo. Envio-lhes contrariedades, para que compreendam que esta vida não constitui a meta final, que as realidades terrenas são imperfeitas e passageiras, que eu...

Então aquela serva, inflamada de desejo santo, refletia sobre a imperfeição pessoal e alheia. Sofria pelo que escutara (de outros) e vira (pessoalmente) sobre a cegueira humana. De um lado (via) a bondade divina, que nada pusera no mundo como impedimento à santificação dos homens, qualquer que fosse o estado de vida; as criaturas até favorecem e provam as virtudes. De outro lado, via tantos a rodar pelo rio do pecado, cheios de egoísmo e falso amor; sem se converterem, iam para a eterna condenação. Dos pecadores que começavam a deixar o rio do pecado, muitos voltavam atrás, levados pelas razões que Deus Pai bondosamente lhe explicara. Sentia-se amargurada. Fixou o pensamento da fé em Deus e lhe disse:

 

- Ó Amor sem preço, como é grande a ilusão dos homens! Se fosse do teu agrado, eu ficaria contente de que me falasses com mais detalhes sobre os três degraus do corpo do teu Filho, sobre o que devem fazer os pecadores para sair de uma vez do pélago e se conservarem no caminho da Verdade; enfim, sobre quais são os homens que sobem pela escada do corpo de teu Filho!

 

CAPÍTULOS 16.1 A 16.4

16.1 - AS FACULDADES COMO DEGRAUS COMUNS

  Então Deus Pai, cheio de bondade, olhou para o desejo santo e a fome daquela serva e lhe disse: - Filha querida, não desprezo os santos desejos dos homens; gosto até de realiza-los. Vou mostrar e explicar quanto pedes. Queres que eu te fale detalhadamente sobre os três degraus e diga-te como...

16.2 - A SEDE DA ÁGUA VIVA

Acabei de explicar-te a figura dos três degrau comuns, que são as três faculdades da alma. São etapas sucessivas para se chegar à ponte mensagem do meu Filho. Sem a unificação dessas três faculdades, ninguém conseguirá perseverar. Sobre a perseverança já falei antes (14.14), quando me imploraste...

16.3 - QUE SIGNIFICA REUNIR "DOIS OU TRÊS"

  Volto a falar dos degraus gerai que deveis percorrer a fim de sair do rio do pecado, atingir a água viva e inserir-me na vossa caminhada. Pela graça eu repouso em vossas almas.   Querendo progredir, é necessário que tenhais sede. Somente os sedentos acolhem aquele convite: "Quem tem...

16.4 – SUMÁRIO E EXORTAÇÃO

  Acabei de mostrar-te como devem comportar se as pessoas, em geral, para sair do rio do pecado, evitando o afogamento e a condenação eterna. Fiz ver quais são os três degraus comuns - as três faculdades - que são percorridos juntos. Expliquei aquela palavra de meu Filho: "Se dois ou três...

Então aquela serva, inflamada de desejo santo, contemplou a si mesma no espelho da divindade e viu a humanidade que caminhava de vários modos e com diversificados interesses na procura do próprio fim. Uns homens, estimulados pelo medo dos castigos (eternos) começavam a subir (do rio para a ponte-Cristo); numerosos atingiam o segundo degrau, após terem atendido ao primeiro apelo de Deus; pouquíssimos iam com grandíssima perfeição.

 

18.1 – OS DEGRAUS DO AMOR

 

CAPÍTULOS 18.1 A 18.2

18.1.1 – O AMOR SERVIL (1.º ESTADO)

  Então o bondoso Deus, para satisfazer o desejo daquela serva, dizia: - Considera estas pessoas, que abandonaram o pecado mortal por causa do temor servil; é necessário que passem ao amor virtuoso. O temor servil, sozinho, não basta para lhes dar a vida eterna.   O medo constituía a lei...

18.1.2 - O AMOR INTERESSEIRO (2º ESTADO)

  Alguns se tornam servidores fiéis, dedicando se a mim, não por medo de castigo, mas por amor. Mas seu amor ainda é interesseiro: gostam de mim por vantagens pessoais, à procura das consolações que acham em mim. Trata-se de um amor imperfeito. Sabes quando se manifesta essa imperfeição? No...

18.1.3 - O AMOR AMIZADE (3º ESTADO)

  Os que perseveram na oração e nas boas obras, os que na constância progridem na virtude, estes atingirão o amor-amizade. A estes, eu amarei como amigos, pois correspondo com igual afeição. Quem me quer bem como faz um servo com seu patrão, será amado por mim, o Senhor, na mesma medida; mas...

18.2 - A CAMINHADA PARA O AMOR AMIZADE

  Vês assim a que alturas chega o homem que atingiu o amor-amizade.Depois de ultrapassar o primeiro degrau, os pés de Cristo crucificado, atinge o segredo do coração, isto é, o segundo degrau, conforme representei o corpo de meu Filho.   Disse antes (16.1) que os degraus figuravam as três...

18.3 - COMO SE VIVE O AMOR-AMIZADE

CAPÍTULOS 18.3 A 18.5

18.3.1 - A VIGÍLIA DE ORAÇÃO

  Eis o que faz a pessoa que chegou (ao amor amizade): Ao perceber que me ausentei quanto às consolações, não cai em desânimo. Persevera humildemente no esforço pelo autoconhecimento, certa de que o Espírito Santo virá. Como o espera? Sem ociosidade, em contínua vigília de oração. Será uma...

18.3.2 - DESAPEGO DAS CONSOLAÇÕES

  Deve o cristão entusiasmar-se varonilmente pela oração que é uma verdadeira mãe. Isto acontece quando ele se fecha na cela do autoconhecimento, depois de atingir o amor amizade e o amor filial. Quem não percorre tais etapas, permanecerá sempre na tibieza e na imperfeição, amando a mim e ao...

18.3.2.1 - A ROTINA DAS CONSOLAÇÕES

  Um primeiro engano consiste na procura de determinada satisfação espiritual para nela se comprazer. Tendo-a experimentado antes, a pessoa começa a agir sempre do mesmo jeito para obter idêntico prazer. Na verdade, eu não sigo sempre as mesmas estradas, como se fosse coagido a dar consolações...

18.3.2.2 – O EGOÍSMO ESPIRITUAL

  Acabo de falar sobre o engano em que caem aqueles que desejam viver interiormente consolados com minha presença. Passo a ocupar-me de uma outra ilusão: a das pessoas que colocam toda sua satisfação na busca das consolações e não socorrem os outros em suas necessidades espirituais ou...

18.3.2.3 - O DIABO EM FORMA DE LUZ

  Pode acontecer ainda que alguém caia num quarto engano, quando o demônio se apresenta em forma de luz. Costuma ele tentar os homens de acordo com as disposições espirituais que neles encontra. Por tal motivo, ninguém deve desejar satisfações e visões espirituais; aspire se somente pela...

18.4 - OS SINAIS DA PERFEIÇÃO

  Até agora eu te fiz ver, por diversos modos, como a alma supera o amor imperfeito e qual é seu comportamento quando chega ao amor amizade e filial. Afirmei, e torno a repetir, a maneira consiste na perseverança e no autoconhecimento. Esse conhecimento de si, porém, deve ser acompanhado pelo...

18.4.1 – EFUSÃO DO ESPÍRITO SANTO

  Resta-me falar sobre os sinais reveladores de que alguém atingiu o amor perfeito. Pois bem, o sinal é o mesmo que aconteceu aos apóstolos, após terem recebido o Espírito Santo: saíram do Cenáculo pregando a mensagem do meu Filho. Já não temiam os sofrimento, gloriavam-se até de padecer, não...

18.4.2 - COMPREENSÃO DA CARIDADE DE CRISTO

  Disse que o sinal de que alguém superou a imperfeição e atingiu o amor perfeito é a "saída de si mesmo". Presta atenção e considera como essas pessoas caminham rápidas pela ponte mensagem de Cristo crucificado, que foi na terra vossa norma, caminho e verdade. Elas não me olham à maneira dos...

18.4.3 - IMPULSO AO APOSTOLADO NA PACIÊNCIA

  Com tais expressões atendi ao teu pedido (ver 15). O que acabo de dizer foi uma resposta que meu Filho te deu e eu falei na sua pessoa, para compreenderes a dignidade do homem que atinge o segundo degrau - o coração de Cristo - nele adquirindo imenso amor. Tal pessoa passa imediatamente ao...

18.5 - OS PERFEITÍSSIMOS

  Gostaria de falar-te agora do grande prazer que experimentam em mim tais pessoas, mesmo estando no corpo mortal. Ao chegar ao terceiro estado, como expliquei (18.4.1), nele alcançam o quarto. Não se trata de um estado distinto do terceiro, pois ambos são conexos; um não existe sem o outro,...

CAPÍTULOS 18.5 A 18.6

18.5.1 - SUA HUMILDADE

  Nesta união, o homem recebe um vigor extraordinário; não apenas sofre com paciência, mas deseja ardentemente padecer por minha glória e louvor. No quarto estado, ele se gloria nos sofrimentos de Cristo, à semelhança do glorioso apóstolo Paulo, que afirmava: "Eu me comprazo nas fraquezas e...

18.5.2 - SUA CONTÍNUA UNIÃO COM DEUS

  Destes perfeitíssimos não retiro as consolações espirituais, como fazia quando eram imperfeitos. Então, deixava neles a graça e retirava o prazer sensível. Agora, não ajo assim. Já tingiram grande perfeição, morreram inteiramente para si mesmos. Conservam sempre a graça com toda satisfação...

18.5.3 - SÃO SOFREDORES E FELIZES

  Os perfeitíssimos sentem-me continuamente presente em seus espíritos; quanto mais desapegados forem da satisfação pessoal e quanto mais amarem o sofrimento, menos dor e mais contentamento receberão. Por que motivo? Porque, consumidos no meu amor, destruíram a vontade própria. O demônio teme...

18.5.4 - A UNIÃO EXTÁTICA

  Afirmei que os perfeitíssimos jamais perdem o consolo da minha presença. Afasto-me deles, porém, num outro sentido. Dado que a alma, ainda unida ao corpo, não consegue suportar continuamente a união comigo, afasto-me dos perfeitíssimos quanto a tal união, embora permaneça neles pela graça e...

18.5.5 – O EXEMPLO DE PAULO

  Quando elevei Paulo ao terceiro céu nas profundezas da Trindade (2Cor 12,2-4), ele teve a experiência do meu poder, recebeu a plenitude do Espírito Santo e apreendeu a mensagem do Verbo encarnado. Como acontece com os bem aventurados, sua alma uniu-se intimamente a mim. Mas continuava no...

18.5.6 - O DESEJO DA MORTE

  Os perfeitíssimos não temem a morte; até a desejam. Desprezam o próprio corpo, fazem-lhe guerra, renunciam ao natural cuidado com ele; têm pouco amor à vida física e muito amor por mim. Eles suspiram pela morte, dizendo: "Quem me separará deste corpo (Rm 7,24)? "Desejo partir e ir estar com...

18.5.7 - O CONHECIMENTO INFUSO

Foi com essa iluminação que Tomás  adquiriu grande sabedoria. iluminados por meu Filho, Agostinho, Jerônimo e outros santos doutores compreenderam a verdade nas trevas. Naqueles tempos a Escritura parecia obscurecida; não por deficiência sua, mas pela incapacidade dos leitores, que não a...

18.6 - SUMÁRIO E EXORTAÇÃO

  Desta maneira teu espírito compreendeu e o ouvido interior escutou de mim, verdade eterna, como deves agir para utilidade tua e do próximo relativamente à verdadeira mensagem. Inicialmente afirmei que é pelo autoconhecimento; não um conhecimento somente de ti mesma, mas também da minha...

 

Então aquela serva viu-se inflamada de grandíssimo desejo, como que embriagada pela união com Deus e por tudo quanto vira e ouvira, dolorosa ante a maldade das pessoas que não reconhecem o próprio benfeitor divino e sua amorosa bondade. Ao mesmo tempo sentia-se alegre na esperança, por causa da promessa divina que lhe ensinara o modo como ela e os demais servidores alcançariam perdão para o mundo. Desejosa de conhecer mais sobre os estados da alma, sobre os quais Deus lhe falara, elevou seu pensamento à verdade suprema.

 

Notara que aqueles estados são percorridos em lágrimas; queria saber quais são as espécies de lágrimas, qual sua natureza, sua origem, suas características. Sabendo que toda verdade das coisas encontra-se em Deus, interrogou-o sobre tudo isso. Nada se conhece em Deus sem a aplicação da inteligência, mas é necessário também o desejo de saber na luz da fé. Ela não se esquecera dos ensinamentos anteriormente dados por Deus e bem saia que não existe outro modo de se instruir sobre as lágrimas, os estados correspondentes e seus frutos. Num ardor imenso, como nunca lhe acontecera antes, sobrelevou-se toda inflamada de amor. Com fé olhou para Deus e nele entendeu o que desejava. A verdade divina manifestou-se a ela e atendeu a seus anseios e pedidos.

 

CAPÍTULOS 20.1 A 20.6

20.1 - AS LÁGRIMAS NASCEM DO CORAÇÃO

  Então Deus disse àquela serva: - Filha querida, queres que eu te fale sobre as lágrimas e seus frutos. Não vou desprezar o teu pedido. Presta bem atenção, que passo a explicar em analogia com os estados da alma descritos acima.   Há lágrimas imperfeitas, que se fundamentam no temor...

20.2 - AS LÁGRIMAS DE VIDA

  § 1 - Ao reconhecer os próprios pecados, o homem chora por medo de castigo; são lágrimas fundamentadas no apetite sensível e procedem da dor íntima causada pelo temor da pena. Sofrendo assim começo falando das lágrimas que produzem a vida.   o coração, os olhos choram.   § 2 - Com...

20.3 - AS LÁGRIMAS E AS FASES DA VIDA ESPIRITUAL

  Conforme teu pedido, expliquei-te as espécies de lágrimas com suas características.   As primeiras são próprias das pessoas que vivem em pecado mortal. As lágrimas brotam do coração; como aqui a fonte está corrompida, o pranto é pecaminoso e mau, bem como todas as demais...

20.4 - AS LÁGRIMAS DE FOGO

  Falei sobre as lágrimas imperfeitas e perfeitas, dizendo que brotam do coração. Qualquer que seja o motivo pelo qual se chore, é do coração que todas as lágrimas nascem. Neste sentido, indistintamente podem ser chamadas "lágrimas cordiais". A diferença entre elas encontra-se na qualidade do...

20.5 - AS LÁGRIMAS SÃO INFINITAS

  Conforme acabo de explicar, filha querida, essa é a doutrina sobre as cinco lágrimas. Afoga-te, pois, no sangue de Cristo crucificado, o Cordeiro humilde, sofredor e puro. Esforça-te por crescer nas virtudes, aumenta em ti a chama da Minha caridade. Os cinco tipos de lágrimas são como que...

20.6 - FRUTOS DAS CINCO LÁGRIMAS

Compreendeste agora como as lágrimas são infinitas. Mesmo durante esta vida há tantas maneiras de chorar no estado da união, que tua língua é insuficiente para declará-las. Depois de explicar-te como são as lágrimas nos quatro estados da vida espiritual, falta-Me discorrer sobre os frutos que elas...

20.6. 1 – EFEITOS DAS LÁGRIMAS DE CONDENAÇÃO

  Começo por aquela lágrima, a que Me referi no começo, a lágrima dos homens que vivem pecaminosamente no mundo, que consideram seu deus as pessoas, as coisas, a própria sensualidade. Essa atitude é para eles a fonte de todos os males na alma e no corpo.   Disse acima que as lágrimas...

20.6.2 - EFEITOS DAS LÁGRIMAS DE TEMOR

Passo a falar dos frutos colhidos por aqueles que, por medo dos castigos, abandonam o pecado para viver em estado de graça. São numerosos os que, pelo temor da pena, param de pecar. É o acordar geral, de que falei. Quais são os efeitos em tais pessoas?   O medo de ser castigado age sobre o...

20.6.3 - EFEITOS DAS LÁGRIMAS DE AUTOCOMPAIXÃO

  Livre do medo dos castigos, a alma colhe as segundas lágrimas de vida, com as quais busca o amor e a prática das virtudes. Embora ainda seja imperfeita, a pessoa já não teme; como verdade suma, Eu lhe dou consolações e amor. Por causa de tal consolação e amor, ama-Me docemente a Mim e as...

20.6.4 - EFEITOS DAS LÁGRIMAS DE AMOR

  Ao chegar às terceiras lágrimas de vida, o homem se põe à mesa da santa cruz, nela saboreando o amoroso Verbo encarnado. Meu Filho deseja Minha honra e vossa salvação; por isso, Seu coração foi aberto e se fez vosso alimento. Nesta "mesa" o homem começa a alimentar-se do desejo da Minha...

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20.6.5 - EFEITOS DAS LÁGRIMAS DE UNIÃO

Tendo-Me ocupado sobre os frutos das terceiras lágrimas de vida, resta-Me o quarto e último estado, o da união. Este, como já disse, não existe como que separado do anterior. Ambos coexistem, como acontece com o amor pelo próximo e o amor por Mim; um reforça o outro. Neste quarto estado, aumenta...

Então aquela serva, inflamada de amor diante da bondosa explicação recebida de Deus sobre os estados da vida espiritual, disse-lhe: -Agradeço-te, agradeço-te, ó Pai eterno, que realizas as santas aspirações, zeloso autor da nossa salvação, que nos amaste em teu Filho unigênito quando ainda éramos teus inimigos.Por esse teu ardente abismo de amor, imploro tua graça e o perdão. Graças a eles, consiga eu chegar livremente à tua luz, isenta de toda escuridão. Que eu progrida rapidamente na mensagem de teu Filho; que eu consiga superar as dificuldades, diante das quais estou insegura.Gostaria, Pai eterno, que me desses as devidas explicações antes de passares a outros assuntos além dos estados da alma.

 

A primeira dificuldade é a seguinte: se alguém me procurar, ou dirigir-se a outro servidor teu, pedindo conselhos, desejoso de servir-te, que conselhos devo dar? Lembro-me, ó Deus eterno, de que me disseste: "Sou aquele que gosta de poucas palavras e muitas ações", mas ficaria muito satisfeita se me falasses ainda. Pode acontecer, quando estou orando por todos os homens ou por um teu servidor, ver a alma deles bem disposta, parecendo-me que ela é do teu agrado, e ver a alma de um outro nas trevas. Em tais casos, Pai eterno, posso pensar que o primeiro se acha na luz e o outro na escuridão? Além disso, se notar que uma pessoa vive mortificando-se, e uma outra não, devo concluir que é mais perfeito aquele que se penitencia? Rogo-te; não seja eu enganada por minha limitada compreensão. Explica-me no caso particular, quanto disseste no geral.

 

A segunda dificuldade sobre a qual peço esclarecimentos é esta: quais são os sinais reveladores de tua presença ou "visita" na alma, para que eu possa discernir se és tu ou não? Se bem me lembro, disseste que a pessoa sente alegria e fervor na prática das virtudes. Gostaria de saber: tal alegria não pode confundir-se com a satisfação pessoal? Se assim for, então devo limitar-me a olhar a prática das virtudes?

 

São estas as perguntas que te faço, verdade eterna, para que eu possa servir ao próximo e a ti sem cair em falsos julgamentos contra as pessoas, contra os servidores teus. De fato, creio que o julgamento falso afasta o homem de ti. Prefiro não incidir nesse inconveniente.

Então Deus Pai, satisfeito com as intenções daquela serva pela sinceridade do seu coração e pelo desejo de servi-lo, olhou para ela com piedade e misericórdia, dizendo: - Ó filha e esposa, tão querida e amada! Eleva-te e esforça-te por compreender o inefável amor que sinto por ti e pelos meus servidores. Aplica o ouvido interior dos teus anseios. Quando me escutas, precisas de entendimento. Quero que te eleves acima da sensibilidade. Alegro-me com o teu pedido e vou responder-te. Certamente vós não aumentais a minha felicidade, pois sou aquele que sou! Apenas alegro-me em mim mesmo pelas coisas que criei.

Então aquela serva obedeceu a Deus. Elevou seu espírito para compreender a verdade sobre os assuntos que perguntara.

Então o eterno Deus lhe disse: - Para melhor compreenderes o que vou dizer, começo por falar de algo que é pressuposto às tuas perguntas, ou seja, quais são as três iluminações que procedem de mim, luz verdadeira. A primeira é dada de modo geral, para as pessoas que vivem na "caridade comum" (v. 14.11). Mas já falei dela, bem como das duas outras. Vou repetir assuntos abordados, para que consigas entender bem as respostas ao que perguntaste. As duas iluminações seguintes encontram-se nas pessoas que tendem à perfeição. Falarei das três, descendo aos particulares daquilo que expliquei no geral.

CAPÍTULOS 24.1 A 24.6

24.1 - ILUMINAÇÃO DA "CARIDADE COMUM"

  Como afirmei antes (14.10), ninguém consegue seguir o caminho da verdade sem a luz da razão - recebida de mim com a inteligência - e sem aluz da fé, infundida na hora do santo batismo, supondo que não destruais esta última com vossos pecados. No batismo, a luz da fé vos é dada na força do...

24.2 - ILUMINAÇÃO DOS IMPERFEITOS

  Após ter recebido a precedente iluminação geral, o cristão não deve dar-se por satisfeito. Enquanto viveis neste mundo, podeis e deveis progredir. Se alguém estaciona, por isso mesmo retrocede. É necessário crescer naquela iluminação recebida com a graça, ou superar o que é imperfeito para...

24.3 – ILUMINAÇÃO DOS PERFEITOS

  O segundo modo de caminhar no aperfeiçoamento encontra-se no terceiro estado; os que chegam a esta iluminação comportam-se bem em tudo que fazem, respeitando devidamente tudo quanto lhes sucede. Disto já falei brevemente ao tratar do terceiro e quarto estados (18.4 e 18.5). Julgam-se...

24.4 - DEUS SOLICITA ATENÇÃO A CATARINA

  Filha querida, presta atenção agora, para que fiques esclarecida a respeito do que me perguntaste. Falei-te (24.2) da iluminação comum, necessária a todos, qualquer que seja a vossa condição. Trata-se da iluminação das pessoas que vivem na "caridade comum". Depois expliquei sobre a...

24.5 – TRÊS ATITUDES FUNDAMENTAIS

Desejo de ti três atitudes, a fim de não impedires o aperfeiçoamento a que te chamo e para que o demônio, sob a aparência de virtude, não instile em teu coração a semente da presunção, que poderia levar-te àqueles falsos julgamentos, que te desaconselhei. Pensando estar na verdade, errarias. Às...

24.5.1 – NÃO CORRIGIR O PRÓXIMO

  A primeira coisa que te peço, é que retenhas tua opinião e não julgues os outros imprudentemente. Eis como deves agir: Se eu não te manifestar expressamente, não digo uma ou duas vezes, mas diversas vezes, o defeito de uma pessoa, jamais deves fazer referências sobre tal coisa diretamente à...

24.5.2 - NÃO JULGAR O INTERIOR DO HOMEM

  Passo a falar da segunda atitude. Quando estiveres orando diante de mim por alguém e acontecer de perceberes a luz da graça numa pessoa e em outra não, parecendo te que esta última está envolta em trevas, não deves concluir que a segunda se acha em pecado mortal. Teu julgamento seria muitas...

24.5.3 - RESPEITAR A ESPIRITUALIDADE ALHEIA

  Após discorrer sobre as duas primeiras atitudes, ocupo-me da terceira. Quero que me prestes muita atenção, a fim de que o demônio e tua fraca inteligência não te façam obrigar outras pessoas a viver como tu vives. Tal ensinamento seria contrário à mensagem do meu Filho. Ao ver que a maioria...

24.5.4 - RESUMO DAS TRÊS ATITUDES ANTERIORES

  Essa é a resposta às tuas perguntas, filha querida, sobre a maneira de corrigir o próximo sem ser enganada pelo demônio e sem conformar-te ao teu fraco modo de pensar. Disse (24.5.1) que deves corrigir o próximo genericamente, sem descer aos casos pessoais. A não ser que eu te revele...

24.6 - VISÃO E ALEGRIA ESPIRITUAL

  Filha querida, expliquei-te o que é necessário fazer para o aperfeiçoamento da alma; vou atender agora àquele teu pedido, relativo à minha presença durante as visões ou demais manifestações, que alguém julgue ter. Disse que o sinal distintivo de que estou visitando a alma é a alegria, o...

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24.7 - EXORTAÇÃO À PRECE

  Filha querida, disse todas essas coisas com clareza; esclareci teu espírito sobre as possíveis ilusões do demônio. Atendi aos teus pedidos, porque não desprezo os desejos dos meus servidores e costumo dar atenção a quem me implora. Até desagradam-me aqueles que, por não viver a mensagem de...