O PRINCÍPIO DO MAL

O PRINCÍPIO DO MAL

     De algumas dezenas de anos para cá tornou-se popular e até inteligente negar tudo aquilo que não esteja imediatamente acessível à experiência dos sentidos e das máquinas. Os cultores da Teologia, que lidavam com essa área sensível aderiram entusiasticamente à opinião comum que domina o mundo. O real que é composto por visível e invisível, material e espiritual, foi arbitrariamente reduzido ao experimentado e decretou-se que o resto não existia, ou a existir não interessava. No fundo, por este processo, na Cristandade, empobreceu-se a humanidade roubando-lhe uma dimensão fundamental, mas garantindo-lhe simultaneamente que isso era um progresso relativamente a idades negras de crendices e bruxarias.

 

    Anjos de Deus e demónios desapareceram de um só golpe do cenário de vida, para se reduzirem a conceitos ou figuras de contos tradicionais ou assuntos sensacionalistas distorcidos pelos romances. O pertence do mal, Satanás, o diabo, ganhou o estatuto de mito e hoje quem se lhe refira, como ser pessoal e real, arrisca-se a ser considerado diminuído mental. O mesmo se diga para todo o mundo invisível. Está-se, de facto, num tempo em que se impôs à imensa massa de cristãos a ideia de que o Diabo e o Inferno não existem. Que são invenções da Igreja.

     

     Sondagens efetuadas entre as cristandades europeias demonstram que só uma percentagem pequena ainda acredita no que afirma a Bíblia. A maioria já disse adeus ao Diabo, aos Dogmas, à autoridade do Papa, à Missa, ou seja, ás próprias raízes da Fé. Até já nem uma flexível moral cristã lhes interessa. Os homossexuais requerem e obtêm o direito civil ao casamento e. enquanto as atrevidas mulheres americanas são ordenadas sacerdotisas, as mulheres da área cristianizada exigem o direito ao aborto, pois do que se trata é, nem mais nem menos, do sexo sem responsabilidade, uma coisa que nem os animais desfrutam.

O mundo dita as suas normas. Mas quem as dita ao Mundo? Está visto que esta pergunta nunca é feita porque o Mundo tornou-se um absoluto, um ente em si, que pensa, tem opinião e aprova ou reprova certas ideias que lhe desagradam pela sua própria autoridade. Chegou-se a uma linha tão decadente de pensamento que parece vivermos num teatro de fantoches reduzido ao absurdo. Quando não é o mundo a decidir são os serventuários da Besta que atiram para a frente com a opinião pública, que eles sabem pura e simplesmente ser um entidade não existente.

 

     No entanto, o mal superabunda, como que por semeado por mão invisível. As angústias do nosso tempo expandem-se e as misérias pessoais e nacionais e mundiais, nunca pareceram tão medonhas. A amoralidade generalizou-se como uma atitude comum e deixou de haver moralidade ou imoralidade, o que significa o desaparecimento do juízo moral, que é uma das especialidades do homem. Com alguns homens a decidir, por todos os homens, como únicos protagonistas da História, únicos a decidir e orgulhosos dessa situação, as sociedades decretaram, na prática, que tudo o que existe são elas próprias - e nada mais. Tudo se reporta à construção humana e não há mais intervenientes para lá dos homens.

 

     Para esta convicção combinaram-se três forças históricas que se juntaram no mesmo resultado: os 'intelectuais' com as suas utopias, os cientistas com os seus milagres, e a comunicação social que transmite uma informação deformante, veiculam, em conjunto, um projeto comum. Marcel de Corte afirma: 'querem fazer do mundo e do homem um mundo que não seja obra do homem e um homem que não seja obra de si mesmo'.

Os livros sagrados são ainda boas fontes para filmes na América, e arrecadam bom dinheiro, o que significa que nem tudo está esquecido nesta argamassa que nos meteram nos miolos. Mas toda a gente tem uma má tendência para se esquecer do Princípio. São João Evangelista escreveu: “No princípio já existia o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Diz ainda: “Estava no mundo, o mundo foi feito por Ele, mas o mundo não O conheceu. Veio ao que era seu, mas os seus não O receberam.” Na realidade, como diz o Evangelista, o Verbo era a Luz verdadeira que vindo ao mundo todo o homem ilumina.

 

    Mas se o mundo Antigo recusou a luz, o mundo Contemporâneo parece ter feito pior: conhece agora o Usurpador, aquele que não fez o mundo, mas diz ser o Senhor deste mundo, Lúcifer, o príncipe da treva que nada fez pelos Homens senão matá-los (porque é um assassino), ludibriá-los (porque encarna a mentira), degradá-los (porque os considera inferiores), roubar-lhes o que é deles por direito divino – o Reino – (porque os inveja), reservando-os diretamente para povoar o seu reino de raiva, ódio, solidão e desespero, arranjando companhia para bradar contra o Criador, o Senhor dos homens, dos Anjos e do Universo, o velho “Non serviam”. Até ser definitivamente calado. E porque não mudam ou se arrependem estes seres? São João Damasceno diz que “o anjo é incapaz de fazer penitência porque não tem corpo. O homem é suscetível de penitência por causa da fraqueza do seu corpo”.