EUCARISTIA, MISTÉRIO ANUNCIADO

EUCARISTIA, MISTÉRIO ANUNCIADO

EUCARISTIA E MISSÃO

 

84. Na homilia durante a celebração eucarística com que solenemente dei início ao meu ministério na Cátedra de Pedro, disse: « Não há nada de mais belo do que ser alcançado, surpreendido pelo Evangelho, por Cristo. Não há nada de mais belo do que conhecê-Lo e comunicar aos outros a amizade com Ele ». Esta afirmação cresce de intensidade, quando pensamos no mistério eucarístico; com efeito, não podemos reservar para nós o amor que celebramos neste sacramento: por sua natureza, pede para ser comunicado a todos. Aquilo de que o mundo tem necessidade é do amor de Deus, é de encontrar Cristo e acreditar n'Ele. Por isso, a Eucaristia é fonte e ápice não só da vida da Igreja, mas também da sua missão: « Uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja missionária ». Havemos, também nós, de poder dizer com convicção aos nossos irmãos: « Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão connosco » (1 Jo 1, 2-3). Verdadeiramente não há nada de mais belo do que encontrar e comunicar Cristo a todos! Aliás, a própria instituição da Eucaristia antecipa aquilo que constitui o cerne da missão de Jesus: Ele é o enviado do Pai para a redenção do mundo (Jo 3, 16-17; Rm 8, 32). Na Última Ceia, Jesus entrega aos seus discípulos o sacramento que actualiza o sacrifício que Ele, em obediência ao Pai, fez de Si mesmo pela salvação de todos nós. Não podemos abeirar-nos da mesa eucarística sem nos deixarmos arrastar pelo movimento da missão que, partindo do próprio Coração de Deus, visa atingir todos os homens; assim, a tensão missionária é parte constitutiva da forma eucarística da existência cristã.

 

EUCARISTIA E TESTEMUNHO

 

85. A missão primeira e fundamental, que deriva dos santos mistérios celebrados, é dar testemunho com a nossa vida. O enlevo pelo dom que Deus nos concedeu em Cristo, imprime à nossa existência um dinamismo novo que nos compromete a ser testemunhas do seu amor. Tornamonos testemunhas quando, através das nossas acções, palavras e modo de ser, é Outro que aparece e Se comunica. Pode-se afirmar que o testemunho é o meio pelo qual a verdade do amor de Deus alcança o homem na história, convidando-o a acolher livremente esta novidade radical. No testemunho, Deus expõe-Se por assim dizer ao risco da liberdade do homem. O próprio Jesus é a testemunha fiel e verdadeira (Ap 1, 5; 3, 14); veio para dar testemunho da verdade (Jo 18, 37). Nesta ordem de ideias, apraz-me retomar um conceito caro aos primeiros cristãos mas que nos interpela também a nós, cristãos de hoje: o testemunho até ao dom de si mesmo, até ao martírio, sempre foi considerado, na história da Igreja, o apogeu do novo culto espiritual: « Oferecei os vossos corpos » (Rm 12, 1). Pense-se, por exemplo, na narração do martírio de São Policarpo de Esmirna, discípulo de São João: o seu caso, dramático, é todo ele descrito como uma liturgia; mais ainda, como se o próprio mártir se tornasse Eucaristia. Pensemos também na consciência eucarística que Inácio de Antioquia exprime tendo em mente o seu martírio: considera-se « trigo de Deus » e, pelo martírio, deseja transformar-se em « pão puro de Cristo ». O cristão, quando oferece a sua vida no martírio, entra em plena comunhão com a páscoa de Jesus Cristo e, assim, ele mesmo se torna Eucaristia com Cristo. Não faltam, ainda hoje, à Igreja os mártires, nos quais se manifesta de modo supremo o amor de Deus. E, mesmo que não nos seja pedida a prova do martírio, sabemos, porém, que o culto agradável a Deus postula intimamente esta disponibilidade e encontra a sua realização no feliz e convicto testemunho perante o mundo duma vida cristã coerente nos diversos sectores onde o Senhor nos chama a anunciá-Lo.

 

JESUS CRISTO, ÚNICO SALVADOR

 

86. Sublinhar a ligação intrínseca entre Eucaristia e missão faz-nos descobrir também o conteúdo supremo do nosso anúncio. Quanto mais vivo for o amor pela Eucaristia no coração do povo cristão, tanto mais clara lhe será a incumbência da missão: levar Cristo; não meramente uma ideia ou uma ética n'Ele inspirada, mas o dom da sua própria Pessoa. Quem não comunica a verdade do Amor ao irmão, ainda não deu bastante. A Eucaristia enquanto sacramento da nossa salvação chama-nos assim, inevitavelmente, à unicidade de Cristo e da salvação por Ele realizada a preço do seu sangue. Por isso, do mistério eucarístico acreditado e celebrado nasce a exigência de educar constantemente a todos para o trabalho missionário, cujo centro é o anúncio de Jesus, único Salvador. Isto impedirá de confinar, em chave meramente sociológica, a obra decisiva de promoção humana que todo o processo de evangelização autêntico sempre implica.

 

LIBERDADE DE CULTO

 

87. Neste contexto, desejo dar voz àquilo que os padres referiram, durante a assembleia sinodal, a propósito das graves dificuldades criadas à missão das comunidades cristãs que vivem em condições de minoria ou mesmo de privação da liberdade religiosa. Devemos verdadeiramente dar graças ao Senhor por todos os bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e leigos que se prodigalizam a anunciar o Evangelho e vivem a sua fé sob risco da própria vida. Não são poucas as regiões do mundo onde o simples ir à igreja constitui um testemunho heróico que expõe a vida da pessoa à marginalização e à violência. Nesta ocasião, quero também reiterar a solidariedade da Igreja inteira a quantos sofrem por falta de liberdade de culto. Nos lugares onde não há a liberdade religiosa, sabemos que falta, no fim de contas, a liberdade mais significativa, pois é na fé que o homem exprime a decisão íntima relativa ao sentido último da própria existência; por isso, rezemos para que se alargue o espaço da liberdade religiosa em todos os Estados, a fim de os cristãos e os membros das outras religiões poderem livremente viver as suas convicções, pessoalmente e em comunidade.

 

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