PÔR EM COMUNHÃO COM A PESSOA DE CRISTO
5. A IV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos insistiu muitas vezes no cristocentrismo de toda a catequese autêntica. Podemos fixar aqui os dois significados da palavra. Não se opõem nem se excluem; antes se exigem e se completam um ao outro.
Deseja-se acentuar, antes de mais nada, que no centro da catequese encontramos essencialmente uma Pessoa: a Pessoa de Jesus de Nazaré, «Filho único do Pai, cheio de graça e de verdade» (9), que sofreu e morreu por nós, e que agora, ressuscitado, vive connosco para sempre. este mesmo Jesus que é «o Caminho, a Verdade e a Vida», e a vida cristã consiste em seguir a Cristo, «sequela Christi».
O objecto essencial e primordial da catequese, pois, para empregar uma expressão que São Paulo gosta de usar e que é frequente na teologia contemporânea, é «o Mistério de Cristo». Catequizar é, de certa maneira, levar alguém a perscrutar este Mistério em todas as suas dimensões: «expor à luz, diante de todos, qual seja a disposição divina, o Mistério ... Compreender, com todos os santos, qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade ... conhecer a caridade de Cristo, que ultrapassa qualquer conhecimento... (e entrar em) toda a plenitude de Deus». Quer dizer: é procurar desvendar na Pessoa de Cristo todo o desígnio eterno de Deus que nela se realiza. E procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e dos sinais por Ele realizados, pois eles ocultam e revelam ao mesmo tempo o seu Mistério. Neste sentido, a finalidade definitiva da catequese é a de fazer que alguém se ponha, não apenas em contacto, mas em comunhão, em intimidade com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai no Espírito e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade.
TRANSMITIR A DOUTRINA DE CRISTO
6. O cristocentrismo na catequese significa também que, mediante ela, se deseja transmitir, não já cada um a sua própria doutrina ou então a de um mestre qualquer, mas os ensinamentos de Jesus Cristo, a Verdade que Ele comunica, ou, mais exactamente, a Verdade que Ele é. Tem que se dizer, portanto, que na catequese é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de Deus, que é ensinado — e tudo o resto sempre em relação com Ele; e que somente Cristo ensina; qualquer outro que ensine, fá-lo na medida em que é seu porta-voz, permitindo a Cristo ensinar pela sua boca. A preocupação constante de todo o catequista, seja qual for o nível das suas responsabilidades na Igreja, deve ser a de fazer passar, através do seu ensino e do seu modo da comportar-se, a doutrina e a vida de Jesus Cristo. Assim, há-de procurar que a atenção e a adesão da inteligência e do coração daqueles que catequiza não se detenha em si mesmo, nas suas opiniões e atitudes pessoais; e sobretudo não há-de procurar inculcar as suas opiniões e opções pessoais, como se elas exprimissem a doutrina e as lições de vida de Jesus Cristo. Todos os catequistas deveriam poder aplicar a si próprios a misteriosa palavra de Jesus: «A minha doutrina não é minha mas d'Aquele que me enviou». É isso que faz São Paulo, ao tratar de um assunto de grande importância: «Eu aprendi do Senhor isto, que por minha vez vos transmiti». Que frequente e assíduo contacto com a Palavra de Deu transmitida pelo Magistério da Igreja, que familiaridade profunda com Cristo e com o Pai, que espírito de oração e que desprendimento de si mesmo deve ter um catequista, para poder dizer: «A minha doutrina não é minha»!
CRISTO QUE ENSINA
7. Além disso, esta doutrina não é um corpo de verdades abstractas: é a comunicação do Mistério vivo de Deus. A qualidade d'Aquele que ensina no Evangelho e a natureza dos seus ensinamentos ultrapassam de todas as maneiras as dos «mestres» em Israel, em virtude daquela ligação única que existe entre aquilo que Ele diz, aquilo que Ele faz e aquilo que Ele é. Contudo, permanece o facto de os Evangelhos nos relatarem claramente momentos em que Jesus «ensina». «Jesus foi fazendo e ensinando». nestes dois verbos que introduzem o livro dos Actos dos Apóstolos, São Lucas une e distingue ao mesmo tempo os dois pólos da missão de Cristo.
Jesus ensinou. É esse o testemunho que Ele dá de Si mesmo : «Eu estava todos os dias sentado no Templo a ensinar». É essa também a observação que fazem cheios de admiração os Evangelistas, surpreendidos por O verem ensinar sempre e em qualquer lugar, e fazê-lo duma maneira e com uma autoridade desconhecidas até então. «De novo concorreu a Ele muita gente e, como de costume, pôs-se outra vez a ensiná-la; «E maravilhavam-se por causa da sua doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade». O mesmo atestam os seus adversários, para daí tirarem motivo de acusação e de condenação: «Ele subleva o povo, ensinando por toda a Judeia, a começar da Galileia até aqui».
O ÚNICO «MESTRE»
8. Aquele que ensina deste modo merece por uma razão que é única o nome de «Mestre». Quantas vezes, ao longo do novo Testamento, e especialmente nos Evangelhos, é atribuído a Cristo esse título de Mestre! Aí se refere claramente que os Doze, os outros discípulos e as multidões de ouvintes Lhe chamam «Mestre», com uma entoação ao mesmo tempo de admiração, de confiança e de ternura. E até mesmo os Fariseus e os Saduceus, os Doutores da Lei e os Judeus em geral Lhe não recusam essa designação: «Mestre, queríamos ver-te fazer um prodígio»; «Mestre, que devo fazer para obter a vida eterna?». Mas é sobretudo o. próprio Jesus, em momentos particularmente solenes e muito significativos, que se denomina Mestre: «Vós chamais-me Mestre e Senhor, e dizeis bem, visto que o sou»; e proclama a singularidade e o carácter único da sua condição de Mestre: «... um só é o vosso Mestre», Cristo. Assim se compreende que, no decorrer de dois mil anos, em todas as línguas da terra, homens de todas as condições, raças e nações Lhe tenham dado este título, com veneração, repetindo à sua maneira a exclamação de Nicodemos: «Sabemos que vieste como Mestre da parte de Deus».
Esta imagem de Cristo a ensinar, a um tempo majestosa e familiar, impressionante e tranquilizadora, imagem desenhada pela pena dos Evangelistas e com frequência evocada depois pela iconografia desde os primeiros séculos da era paleo-cristã, tão atraente ela se apresentava, é-me grato também a mim evocá-la no início destas considerações sobre a catequese no mundo contemporâneo.
CRISTO ENSINA COM TODA A SUA VIDA
9. Ao fazer esta evocação, não esqueço que a Majestade de Cristo quando ensinava, a coerência e a força persuasiva únicas do seu ensino, não se conseguem explicar senão porque as suas palavras, parábolas e raciocínios nunca são separáveis da sua vida e do seu próprio ser. Neste sentido, toda a vida de Cristo foi um ensinar contínuo: os seus silêncios, os seus milagres, os seus gestos, a sua oração, o seu amor pelo homem, a sua predilecção pelos pequeninos e pelos pobres, a aceitação do sacrifício total na cruz pela redenção do mundo e a sua ressurreição, são o actuar-se da sua palavra e o realizar-se da sua revelação. De modo que, para os cristãos, o Crucifixo é uma das imagens mais sublimes e mais populares do Jesus que ensina.
Oxalá todas estas considerações, que se situam na esteira das grandes tradições da Igreja, consolidem em nós o fervor para com Cristo, o Mestre que revela Deus aos homens e revela o homem a si mesmo; o Mestre que salva, santifica e guia, que está vivo e que fala, desperta, comove, corrige, julga, perdoa e caminha todos os dias connosco pelos caminhos da história; o Mestre que vem e que há-de vir na glória.
É somente em profunda comunhão com Ele que os catequistas encontrarão luz e força para uma desejável renovação autêntica da catequese.