II UMA EXPERIÊNCIA TÃO ANTIGA COMO A IGREJA

II UMA EXPERIÊNCIA TÃO ANTIGA COMO A IGREJA

A MISSÃO DOS APÓSTOLOS

 

10. A imagem de Cristo a ensinar tinha-se imprimido no espírito dos Doze e dos primeiros discípulos; e a ordem — «Ide... ensinai todas as gentes» — orientou toda a sua vida. São João dá testemunho disso no seu Evangelho, quando refere as palavras de Jesus: «Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; chamei-vos amigos, porque vos manifestei tudo o que ouvi de meu Pai». Não foram eles que escolheram seguir Jesus; foi o próprio Jesus que os escolheu, os conservou consigo e os constituiu, já antes da sua Páscoa, para que fossem e produzissem fruto e para que o seu fruto fosse duradouro. Foi por tudo isto que, após a ressurreição, Ele lhes confiou de maneira formal a missão de irem fazer discípulos de todas as nações.

 

No seu conjunto, o livro dos Actos dos Apóstolos testemunha que eles foram fiéis à sua vocação e à missão recebida. Os membros da primeira comunidade cristã aparecem aí «perseverantes no ensino dos Apóstolos, na união, na fracção do pão e nas orações». Encontra-se aqui, sem dúvida alguma, a imagem permanente de uma Igreja que, graças ao ensino dos Apóstolos, nasce e se alimenta continuamente da Palavra do Senhor, a celebra no Sacrifício eucarístico e dela dá testemunho ao mundo sob o signo da caridade.

 

Quando os adversários começaram a ter como suspeita a actividade dos Apóstolos, foi precisamente porque estavam «indignados por eles estarem a ensinar o povo». E a ordem que então lhes deram foi de não continuarem a ensinar em nome de Jesus. Sabemos, no entanto, que os Apóstolos quanto a este ponto, consideraram justo obedecer antes a Deus do que aos homens.

 

A CATEQUESE NOS TEMPOS APOSTÓLICOS

 

11. Os Apóstolos não tardaram em fazer com que outros compartilhassem o seu mistério do apostolado. O seu múnus de ensinar transmitem-no aos seus sucessores. Confiam igualmente esse múnus a diáconos, desde a sua instituição: Estêvão, «cheio de graça e de fortaleza», não cessa de ensinar, movido pela sabedoria do Espírito. Depois, associaram a si «muitos outros» discípulos nesse múnus de ensinar; e mesmo simples cristãos, dispersos pela perseguição, andavam de terra em terra a anunciar a palavra da Boa Nova». São Paulo é o arauto por excelência de tal anúncio, de Antioquia até Roma. A última imagem que nós temos dele, nos Actos dos Apóstolos, apresenta-no-lo como um homem «pregando o reino de Deus e ensinando o que diz respeito ao Senhor Jesus Cristo, com toda a franqueza e sem impedimento». As suas numerosas Cartas prolongam e aprofundam o seu ensino. E de modo semelhante as Cartas de São Pedro, de São João, de São Tiago e de São Judas são outros tantos testemunhos da catequese dos tempos apostólicos.

 

Os Evangelhos foram também, antes de serem escritos, expressão de um ensinamento oral, transmitido às comunidades cristãs, e reflectem mais ou menos claramente uma estrutura catequética. Porventura a narração de São Mateus não foi já chamada o Evangelho do catequista e a de São Marcos o Evangelho do catecúmeno?

 

OS PADRES DA IGREJA E A CATEQUESE

 

12. A Igreja, por sua vez, continua esta missão de magistério dos Apóstolos e dos primeiros colaboradores. Fazendo-se ela própria, dia a dia, discípula do Senhor, por justo motivo é chamada «Mãe e Mestra». Desde São Clemente de Roma até Orígenes, a época pós-apostólica viu aparecer obras notáveis. Assistiu-se depois a este facto impressionante: Bispos e Pastores, dos mais prestigiosos, sobretudo nos séculos III e IV, consideram como parte importante do seu ministério episcopal proferir instruções ou escrever tratados catequéticos. É então a época de um Cirilo de Jerusalém e de um João Crisóstomo, de um Ambrósio e de um Agostinho; devidas à pena de numerosos Padres da Igreja, neste período, de facto, viram-se florescer obras que ainda hoje continuam a ser modelos para nós.

 

Mas, como seria possível evocar, ainda que brevemente, a catequese que esteve na base da difusão e da caminhada da Igreja ao longo das diversas épocas da história, em todos os continentes e nos ambientes sociais e culturais mais variados? Dificuldades certamente não faltaram. Contudo, a Palavra do Senhor prosseguiu o seu curso através dos séculos, difundiu-se e foi honrada, segundo as palavras do Apóstolo São Paulo.

 

A PARTIR DOS CONCÍLIOS E DA ACTIVIDADE MISSIONÁRIA

 

13. O ministério da catequese foi haurir energias cada vez mais renovadas aos Concílios. O Concílio de Trento constitui neste aspecto um exemplo a realçar: nas suas constituições e decretos, de facto, deu prioridade à catequese; é ele que está na origem do «Catecismo Romano», que por isso tem o nome de Tridentino. Constitui uma obra de primeiro plano como resumo da doutrina cristã e da teologia tradicional, para uso dos sacerdotes. O mesmo Concílio suscitou na Igreja uma organização da catequese digna de nota; estimulou o clero para o cumprimento dos seus deveres de ensino catequético; e foi determinante, ainda, para a publicação de catecismos, a que se dedicaram santos Teólogos, tais como São Carlos Borromeu, São Roberto Belarmino, ou São Pedro Canísio, escritos que são verdadeiros modelos para aquele tempo. Oxalá que o Concílio Vaticano II possa suscitar nos nossos dias uma animação e uma obra semelhantes.

 

As missões constituem também terreno privilegiado para a catequese ser posta em prática. Assim, passados quase dois mil anos, o Povo de Deus nunca cessou de ser educado na fé, segundo formas adaptadas às diversas condições dos fiéis e às múltiplas conjunturas eclesiais.

 

A catequese ainda intimamente ligada a toda a vida da Igreja. Não é só a extensão geográfica e o aumento numérico, mas sobretudo o crescimento interior da Igreja, a sua correspondência ao desígnio de Deus, que dependem da catequese. A luz das experiências que acabam de ser evocadas, neste olhar retrospectivo sobre a história da Igreja, numerosas lições — entre muitas outras — merecem ser postas em evidência.

 

A CATEQUESE: DIREITO E DEVER DA IGREJA

 

14. É manifesto, antes de mais nada, que a catequese, para a Igreja, foi sempre um dever sagrado e um direito imprescritível. Por um lado, é patente tratar-se de um dever, originado numa ordem do Senhor e que incumbe sobretudo àqueles que, na Nova Aliança, recebem o chamamento para o ministério de Pastores. Por outro lado, pode-se falar igualmente de um direito: do ponto de vista teológico, todos os baptizados, pelo próprio facto do seu Baptismo, têm direito a receber da Igreja um ensino e uma formação que lhes permita levar verdadeira vida cristã; na perspectiva dos direitos do homem, toda a pessoa humana tem direito a procurar a verdade religiosa e a ela aderir livremente, isto é, sem «qualquer coacção, quer da parte de indivíduos, de grupos sociais ou de qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém pode ser forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma consciência».

 

É por isso que a actividade catequética tem de poder realizar-se em circunstâncias favoráveis de tempo e de lugar, ter acesso aos meios de comunicação social e poder dispor de instrumentos de trabalho apropriados, sem discriminações em relação aos pais, aos catequizandos e aos catequistas. Actualmente este direito é cada vez mais reconhecido, ao menos no plano dos grandes princípios, como o atestam as declarações ou convenções internacionais; nestas — sejam quais forem as suas limitações — pode-se reconhecer a voz da consciência de uma grande parte dos homens de hoje. Mas este direito é violado por numerosos Estados, a ponto de o dar, mandar ministrar a catequese, ou o recebê-la, ser tido por delito passível de sanções. É com vigor que, em união com os Padres do Sínodo, eu levanto a voz contra todas as discriminações no domínio da catequese; e uma vez mais, faço veemente apelo aos responsáveis, para que cessem totalmente tais constrangimentos, que pesam sobre a liberdade humana em geral, e sobre a liberdade religiosa em particular.

 

UMA TAREFA PRIORITÁRIA

 

15. A segunda lição diz respeito ao lugar próprio que há-de ocupar a catequese nos planos pastorais da Igreja. Quanto mais a Igreja, a nível local ou universal, se mostrar capaz de dar prioridade à catequese — em relação a outras obras e iniciativas cujos resultados possam ser mais espectaculares — tanto mais encontrará na catequese o meio para a consolidação da sua vida interna como comunidade de fiéis, bem como da sua actividade externa missionária. A Igreja, neste século XX prestes a terminar, é convidada por Deus e pelos acontecimentos, que também são apelos de Deus, a renovar a sua confiança na actividade catequética, como tarefa verdadeiramente primordial da sua missão. É convidada a consagrar à catequese os seus melhores recursos de pessoal e de energias, sem se poupar a esforços, trabalhos e meios materiais, para a organizar melhor e formar para ela pessoas qualificadas. Nisto não há que ater-se a cálculos puramente humanos, mas tem de haver uma atitude de fé. E uma atitude de fé refere-se sempre à fidelidade de Deus, que não deixa nunca de corresponder.

 

RESPONSABILIDADE COMUM E DIFERENCIADA

 

16. Terceira lição: a catequese tem sido sempre e continuará a ser uma obra pela qual toda a Igreja se deve sentir e mostrar responsável. Os membros da Igreja, é certo, têm responsabilidades distintas, segundo a missão de cada um. Os Pastores, em virtude do seu múnus, tem, a diversos níveis, a mais alta responsabilidade pela promoção, orientação e coordenação da catequese. O Papa, da sua parte, tem consciência viva da responsabilidade que lhe incumbe em primeiro lugar neste campo; se tem nisso motivos de preocupação pastoral, tem aí sobretudo, uma fonte de alegria e de esperança. Os sacerdotes, os religiosos e as religiosas dispõem aí de um terreno privilegiado para o seu apostolado. Os pais têm, também eles, ainda que a outro nível, uma responsabilidade singular. Os professores, os diversos ministros da Igreja, os catequistas e, para além destes, os promotores das comunicações sociais, têm todos em graus diversos, responsabilidades bem precisas nesta formação da consciência dos fiéis, formação importante para a vida da Igreja e que se reflecte na vida da própria sociedade. Seria certamente um dos melhores frutos da Assembleia Geral do Sínodo, consagrada inteiramente à catequese, se ela viesse a despertar, em toda a Igreja e em cada um dos seus sectores, uma consciência viva e actuante dessa responsabilidade diferenciada mas comum.

 

RENOVAÇÃO CONTÍNUA E EQUILIBRADA

 

17. Por fim, precisa a catequese de uma renovação contínua, mesmo em certo alargamento do seu próprio conceito, nos seus métodos, na busca de uma linguagem adaptada e na técnica dos novos meios para a transmissão da mensagem. Esta renovação, porém, nem sempre se tem processado com igual validade; os Padres sinodais não hesitaram em reconhecer com realismo, a par de um progresso inegável da actividade catequética e de iniciativas promissoras, os limites e até as «deficiências» do que se tem feito até ao presente. Tais limites são particularmente graves quando comportam o risco de acarretar dano à integridade do conteúdo. A «Mensagem ao Povo de Deus» frisou bem que «uma repetição rotineira que se opõe a toda e qualquer mudança, bem como a improvisação inconsiderada que enfrenta os problemas com temeridade, são igualmente perigosas» para a catequese. A repetição rotineira leva à estagnação, à letargia e, por fim, à paralisia. A improvisação inconsiderada gera a confusão dos catequizados e dos seus pais quando se trata de crianças, gera desvios de toda a espécie, a ruptura e, finalmente, a derrocada total da unidade. Importa que a Igreja hoje — como aliás o conseguiu noutros momentos da sua história — saiba dar mostras de sapiência, de coragem e de fidelidade evangélicas na procura e na prática de novas vias e perspectivas para o ensino catequético.

 

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