IV - A PARTICIPAÇÃO NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA

IV - A PARTICIPAÇÃO NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA

A FAMÍLIA NO MISTÉRIO DA IGREJA

 

49.Entre os deveres fundamentais da família cristã estabelece-se o dever eclesial: colocar-se ao serviço da edificação do Reino de Deus na história, mediante a participação na vida e na missão da Igreja.

 

Para melhor compreender os fundamentos, os conteúdos e as características de tal participação, ocorre aprofundar os vínculos múltiplos e profundos que ligam entre si a Igreja e a família cristã, e constituem esta última como «uma Igreja em miniatura» (Ecclesia domestica), fazendo com que esta, a seu modo, seja imagem viva e representação histórica do próprio mistério da Igreja.

 

É antes de tudo a Igreja Mãe que gera, educa, edifica a família cristã, operando em seu favor a missão de salvação que recebeu do Senhor. Com o anúncio da Palavra de Deus, a Igreja revela à família cristã a sua verdadeira identidade, o que ela é e deve ser segundo o desígnio do Senhor; com a celebração dos sacramentos, a Igreja enriquece e corrobora a família cristã com a graça de Cristo em ordem à sua santificação para a glória do Pai; com a renovada proclamação do mandamento novo da caridade, a Igreja anima e guia a família cristã ao serviço do amor, a fim de que imite e reviva o mesmo amor de doação e sacrifício, que o Senhor Jesus nutre pela humanidade inteira.

 

Por sua vez a família cristã está inserida a tal ponto no mistério da Igreja que se torna participante, a seu modo, da missão de salvação própria da Igreja: os cônjuges e os pais cristãos, em virtude do sacramento, «têm assim, no seu estado de vida e na sua ordem, um dom próprio no Povo de Deus». Por isso não só «recebem» o amor de Cristo tornando-se comunidade «salva», mas também são chamados a «transmitir» aos irmãos o mesmo amor de Cristo, tornando-se assim comunidade «salvadora». Deste modo, enquanto é fruto e sinal da fecundidade sobrenatural da Igreja, a família cristã torna-se símbolo, testemunho, participação da maternidade da Igreja.

 

UMA FUNÇÃO ECLESIAL PRÓPRIA E ORIGINAL

 

50.A família cristã é chamada a tomar parte viva e responsável na missão da Igreja de modo próprio e original, colocando-se ao serviço da Igreja e da sociedade no seu ser e agir, enquanto comunidade íntima de vida e de amor.

 

Se a família cristã é comunidade, cujos vínculos são renovados por Cristo mediante a fé e os sacramentos, a sua participação na missão da Igreja deve dar-se segundo uma modalidade comunitária: conjuntamente, portanto, os cônjuges enquanto casal, os pais e os filhos enquanto família, devem viver o seu serviço à Igreja e ao mundo. Devem ser na fé «um só coração e uma só alma», através do espírito apostólico comum que os anima e mediante a colaboração que os empenha nas obras de serviço à comunidade eclesial e civil.

 

A família cristã, pois, edifica o Reino de Deus na história mediante aquelas mesmas realidades quotidianas que dizem respeito e contradistinguem a sua condição de vida: é então no amor conjugal e familiar - vivido na sua extraordinária riqueza de valores e exigências de totalidade, unicidade, fidelidade e fecundidade - que se exprime e se realiza a participação da família cristã na missão profética, sacerdotal e real de Jesus Cristo e da sua Igreja: o amor e a vida constituem portanto o núcleo da missão salvífica da família cristã na Igreja e pela Igreja

 

O Concílio Vaticano II recorda-o quando escreve: «Cada família comunicará generosamente com as outras as próprias riquezas espirituais. Por isso, a família cristã, nascida de um matrimónio que é imagem e participação da aliança de amor entre Cristo e a Igreja, manifestará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos esposos, quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável cooperação de todos os seus membros».

 

Posto assim o fundamento da participação da família cristã na missão eclesial, é agora o momento de ilustrar o seu conteúdo na tríplice e unitária referencia a Jesus Cristo Profeta, Sacerdote e Rei, apresentando por isso a família cristã como 1) comunidade crente e evangelizadora, 2) comunidade em diálogo com Deus, 3) comunidade ao serviço do homem.

 

1) A FAMÍLIA CRISTÃ, COMUNIDADE CRENTE E EVANGELIZADORA

 

A FÉ, DESCOBERTA E ADMIRAÇÃO DO DESÍGNIO DE DEUS SOBRE A FAMÍLIA

 

51.Partícipe da vida e da missão da Igreja, que está em religiosa escuta da Palavra de Deus e a proclama com firme confiança, a família cristã vive a sua tarefa profética acolhendo e anunciando a Palavra de Deus: torna-se assim, cada dia mais comunidade crente e evangelizadora.

 

Também aos esposos e aos pais cristãos é pedida a obediência da fé: são chamados a acolher a Palavra do Senhor, que a eles revela a extraordinária novidade - a Boa Nova - da sua vida conjugal e familiar, feita por Cristo santa e santificante. De facto, somente na fé eles podem descobrir e admirar com jubilosa gratidão a que dignidade Deus quis elevar o matrimónio e a família, constituindo-os sinal e lugar da aliança de amor entre Deus e os homens, entre Jesus Cristo e a Igreja sua esposa.

 

A preparação para o matrimónio cristão é já qualificada como um itinerário de fé: põe-se, de facto, como ocasião privilegiada para que os noivos descubram e aprofundem a fé recebida no baptismo e alimentada com a educação cristã. Desta forma reconhecem e acolhem livremente a vocação de seguir o caminho de Cristo e de se pôr ao serviço do Reino de Deus no estado matrimonial.

 

O momento fundamental da fé dos esposos é dado pela celebração do sacramento do matrimónio, que na sua natureza profunda é a proclamação, na Igreja, da Boa-Nova sobre o amor conjugal: é Palavra de Deus que «revela» e «cumpre» o sábio e amoroso projecto que Deus tem sobre os esposos, introduzidos na misteriosa e real participação do próprio amor de Deus pela humanidade. Se em si mesma a celebração sacramental do matrimónio é proclamação da Palavra de Deus, enquanto os noivos são a título vário protagonistas e celebrantes, deve ser uma «profissão de fé» feita dentro da Igreja e com a Igreja comunidade dos crentes.

 

Esta profissão de fé exige o seu prolongamento no decurso da vida dos esposos e da família: Deus, que de facto, chamou os esposos «ao» matrimónio, continua a chamá-los «no» martimónio. Dentro e através dos factos, dos problemas, das dificuldades, dos acontecimentos da existência de todos os dias, Deus vai-lhes revelando e propondo as «exigências» concretas da sua participação no amor de Cristo pela Igreja em relação com a situação particular - familiar, social e eclesial - na qual se encontram.

 

A descoberta e a obediência ao desígnio de Deus devem fazer-se «conjuntamente» pela comunidade conjugal e familiar, através da mesma experiência humana do amor vivido do Espírito de Cristo entre os esposos, entre os pais e os filhos

 

Por isto, como a grande Igreja, assim também a pequena Igreja doméstica tem necessidade de ser contínua e intensamente evangelizada: daqui o seu dever de educação permanente na fé.

 

O MINISTÉRIO DE EVANGELIZAÇÃO DA FAMÍLIA CRISTÃ

 

52. Na medida em que a família cristã acolhe o Evangelho e amadurece na fé torna-se comunidade evangelizadora. Escutemos de novo Paulo VI: «A família, como a Igreja, deve ser um lugar onde se transmite o Evangelho e donde o Evangelho irradia. Portanto no interior de uma família consciente desta missão, todos os componentes evangelizam e são evangelizados. Os pais não só comunicam aos filhos o Evangelho, mas podem também receber deles o mesmo Evangelho profundamente vivido. Uma tal família torna-se, então, evangelizadora de muitas outras famílias e do ambiente no qual está inserida».

 

Como repetiu o Sínodo, retomando o meu apelo lançado em Puebla, a futura evangelização depende em grande parte da Igreja doméstica. Esta missão apostólica da família tem as suas raízes no baptismo e recebe da graça sacramental do matrimónio uma nova força para transmitir a fé, para santificar e transformar a sociedade actual segundo o desígnio de Deus.

 

A família cristã, sobretudo hoje, tem uma especial vocação para ser testemunha da aliança pascal de Cristo, mediante a irradiação constante da alegria do amor e da certeza da esperança, da qual deve tornar-se reflexo: «A família cristã proclama em alta voz as virtudes presentes do Reino de Deus e a esperança na vida bem-aventurada».

 

A absoluta necessidade da catequese familiar surge com singular vigor em determinadas situações que infelizmente a Igreja experimenta em diversos lugares: «Onde uma legislação anti-religiosa pretende impedir até a educação na fé, onde uma incredulidade difundida ou um secularismo invasor tornam praticamente impossível um verdadeiro crescimento religioso, aquela que poderia ser chamada "Igreja doméstica" fica como único ambiente, no qual crianças e jovens podem receber uma autêntica catequese».

 

UM SERVIÇO ECLESIAL

 

53. O ministério de evangelização dos pais cristãos é original e insubstituível: assume as conotações típicas da vida familiar, entrelaçada como deveria ser com o amor, com a simplicidade, com o sentido do concreto e com o testemunho do quotidiano.

 

A família deve formar os filhos para a vida, de modo que cada um realize plenamente o seu dever segundo a vocação recebida de Deus. De facto, a família que está aberta aos valores do transcendente, que serve os irmãos na alegria, que realiza com generosa fidelidade os seus deveres e tem consciência da sua participação quotidiana no mistério da Cruz gloriosa de Cristo, torna-se o primeiro e o melhor seminário da vocação à vida consagrada ao Reino de Deus.

 

O ministério de evangelização e de catequese dos pais deve acompanhar também a vida dos filhos nos anos da adolescência e da juventude, quando estes, como muitas vezes acontece, contestam ou mesmo rejeitam a fé cristã recebida nos primeiros anos da vida. Como na Igreja a obra de evangelização nunca se separa do sofrimento do apóstolo, assim na família cristã os pais devem enfrentar com coragem e com grande serenidade de animo as dificuldades que o seu ministério de evangelização algumas vezes encontra nos próprios filhos.

 

Não se deverá esquecer que o serviço dos cônjuges e pais cristãos a favor do Evangelho é essencialmente um serviço eclesial, isto é, reentra no contexto da Igreja inteira, qual comunidade evangelizada e evangelizadora. Enquanto radicado e derivado da única missão da Igreja e enquanto ordenado à edificação do único Corpo de Cristo, o ministério de evangelização e de catequese da Igreja doméstica deve permanecer em comunhão intima e deve harmonizar-se responsavelmente com todos os outros serviços de evangelização e de catequese presentes e operantes na comunidade eclesial, quer diocesana quer paroquial.

 

PREGAR O EVANGELHO A TODA A CRIATURA

 

54. A universalidade sem fronteiras é o horizonte próprio da evangelização, animada interiormente pelo impulso missionário: é de facto a resposta explicita e inequívoca ao mandato de Cristo: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura».

 

Também a fé e a missão evangelizadora da família cristã prosseguem este alento missionário católico. O sacramento do matrimónio que retoma e volta a propor o dever, radicado no baptismo e na confirmação, de defender e difundir a fé, constitui os cônjuges e os pais cristãos testemunhas de Cristo «até aos confins do mundo», verdadeiros e próprios «missionários» do amor e da vida.

 

Uma certa forma de actividade missionária pode desenvolver-se já na mesma família. Isto acontece quando algum dos seus membros não tem fé ou não a pratica com coerência. Em tal caso, os familiares devem oferecer-lhe um testemunho de vida de fé que o estimule e encoraje no caminho para a plena adesão a Cristo Salvador.

 

Animada já interiormente pelo espírito missionário, a Igreja doméstica é chamada a ser um sinal luminoso da presença de Cristo e do seu amor mesmo para os «afastados», para as famílias que ainda não crêem e para aquelas que já não vivem em coerência com a fé recebida: é chamada «com o seu exemplo e com o seu testemunho» a iluminar «aqueles que procuram a verdade».

 

Como já no início do cristianismo Áquila e Priscila se apresentavam como casal missionário, assim hoje a Igreja testemunha a sua incessante novidade e rejuvenescimento com a presença de cônjuges e de famílias cristãs que, ao menos durante um certo período de tempo, estão nas terras de missão a anunciar o Evangelho, servindo o homem com o amor de Jesus Cristo.

 

As famílias cristãs dão um contributo particular à causa missionária da Igreja cultivando as vocações missionárias nos seus filhos e filhas e, de uma forma mais generalizada, com uma obra educativa que vai «dispondo os filhos, desde a infância para conhecerem o amor de Deus por todos os homens».

 

2) A FAMÍLIA CRISTÃ, COMUNIDADE EM DIÁLOGO COM DEUS

 

O SANTUÁRIO DOMÉSTICO DA IGREJA

 

55. O anúncio do Evangelho e a sua aceitação pela fé atingem a plenitude na celebração sacramental. A Igreja, comunidade crente e evangelizadora, é também povo sacerdotal, revestido de dignidade e participante do poder de Cristo Sumo Sacerdote da Nova e Eterna Aliança.

 

A família cristã também está inserida na Igreja, povo sacerdotal: mediante o sacramento do matrimónio, no qual está radicada e do qual se alimenta, é continuamente vivificada pelo Senhor Jesus, e por Ele chamada e empenhada no diálogo com Deus mediante a vida sacramental, o oferecimento da própria existência e a oração.

 

É este o múnus sacerdotal que a família cristã pode e deve exercitar em comunhão íntima com toda a Igreja, através das realidades quotidianas da vida conjugal e familiar: em tal sentido a família cristã é chamada a santificar-se e a santificar a comunidade cristã e o mundo.

 

O MATRIMÓNIO, SACRAMENTO DE SANTIFICAÇÃO MÚTUA E ACTO DE CULTO

 

56. O sacramento do matrimónio, que retoma e especifica a graça santificante do baptismo, é a fonte própria e o meio original de santificação para os cônjuges. Em virtude do mistério da morte e ressurreição de Cristo, dentro do qual se insere novamente o matrimónio cristão, o amor conjugal é purificado e santificado: «O Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um dom especial de graça e caridade».

 

O dom de Jesus Cristo não se esgota na celebração do matrimónio, mas acompanha os cônjuges ao longo de toda a existência. O Concílio Vaticano II recorda-o explicitamente, quando diz que Jesus Cristo «permanece com eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela, de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com perpétua fidelidade... Por este motivo, os esposos cristãos são fortalecidos e como que consagrados em ordem aos deveres do seu estado por meio de um sacramento especial; cumprindo, graças à energia deste, a própria missão conjugal e familiar, penetrados do espírito de Cristo que impregna toda a sua vida de fé, esperança e caridade, avançam sempre mais na própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim juntos para a glória de Deus».

 

A vocação universal à santidade é dirigida também aos cónjuges e aos pais cristãos: é especificada para eles pela celebração do sacramento e traduzida concretamente nas realidades próprias da existência conjugal e familiar. Nascem daqui a graça e a exigência de uma autêntica e profundo espiritualidade conjugal e familiar, que se inspire nos motivos da criação, da aliança, da cruz, da ressurreição e do sinal, sobre cujos temas se deteve várias vezes o Sínodo.

 

O matrimónio cristão, como todos os sacramentos que «estão ordenados à santificação dos homens, à edificação do Corpo de Cristo, e enfim, a prestar culto a Deus», é em si mesmo um acto litúrgico de louvor a Deus em Jesus Cristo e na Igreja: celebrando-o, os cônjuges cristãos professam a sua gratidão a Deus pelo dom sublime que lhes foi dado de poder reviver na sua existência conjugal e familiar o mesmo amor de Deus pelos homens e de Cristo pela Igreja sua esposa.

 

E como do sacramento derivam para os cônjuges o dom e a obrigação de viver no quotidiano a santificação recebida, assim do mesmo sacramento dimanam a graça e o empenho moral de transformar toda a sua vida num contínuo «sacrifício espiritual». Ainda aos esposos e aos pais cristãos, particularmente para aquelas realidades terrenas e temporais que os caracterizam, se aplicam as palavras do Concílio: «E deste modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo».

 

MATRIMÓNIO E EUCARISTIA

 

57. O dever de santificação da família tem a sua primeira raiz no baptismo e a sua expressão máxima na Eucaristia, à qual está intimamente ligado o matrimónio cristão. O Concílio Vaticano II quis chamar a atenção para a relação especial que existe entre a Eucaristia e o matrimónio pedindo que: «o matrimónio se celebre usualmente dentro da Missa». Redescobrir e aprofundar tal relação é absolutamente necessário, se se quiser compreender e viver com uma maior intensidade as graças e as responsabilidades do matrimónio e da família cristã.

 

A Eucaristia é a fonte própria do matrimónio cristão. O sacrifício eucarístico, de facto, representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja, enquanto sigilada com o sangue da sua Cruz. Neste sacrifício da Nova e Eterna Aliança é que os cônjuges cristãos encontram a raiz da qual brota, é interiormente plasmada e continuamente vivificada a sua aliança conjugal. Como representação do sacrifício de amor de Cristo pela Igreja, a Eucaristia é fonte de caridade. E no dom eucarístico da caridade a família cristã encontra o fundamento e a alma da sua «comunhão» e da sua «missão»: o Pão eucarístico faz dos diversos membros da comunidade familiar um único corpo, revelação e participação na mais ampla unidade da Igreja; a participação pois ao Corpo «dado» e ao Sangue «derramado» de Cristo torna-se fonte inesgotável do dinamismo missionário e apostólico da família cristã.

 

O SACRAMENTO DA CONVERSÃO E DA RECONCILIAÇÃO

 

58. Uma parte essencial e permanente do dever de santificação da família cristã é o acolhimento do apelo evangélico de conversão dirigido a todos os cristãos, que nem sempre permanecem fiéis à «novidade» daquele baptismo que os constituiu «santos». A família cristã também nem sempre é coerente com a lei da graça e da santidade baptismal, proclamada de novo pelo sacramento do matrimónio.

 

O arrependimento e o mútuo perdão no seio da família cristã, que se revestem de tanta importância na vida quotidiana, encontram o seu momento sacramental específico na Penitência cristã. Aos cônjuges escrevia assim Paulo VI, na Encíclica Humanae Vitae: «Se o pecado os atingir, não desanimem, mas recorram com humilde perseverança à misericórdia de Deus, que com prodigalidade é generosamente dada no sacramento da Penitência».

 

A celebração deste sacramento dá à vida familiar um significado particular: ao descobrirem pela fé como o pecado contradiz não só a aliança com Deus, mas também a aliança dos cônjuges e a comunhão da família, os esposos e todos os membros da família são conduzidos ao encontro com Deus «rico em misericórdia», o qual, alargando o seu amor que é mais forte do que o pecado, reconstrói e aperfeiçoa a aliança conjugal e a comunhão familiar.

 

A ORAÇÃO FAMILIAR

 

59. A Igreja reza pela família cristã e educa-a a viver em generosa coerência com o dom e o dever sacerdotal, recebido de Cristo Sumo Sacerdote. Na realidade, o sacerdócio baptismal dos fiéis, vivido no matrimónio-sacramento, constitui para os cônjuges e para a família o fundamento de uma vocação e de uma missão sacerdotal, pela qual a própria existência quotidiana se transforma num «sacrifício espiritual agradável a Deus por meio de Jesus Cristo»: é o que acontece, não só com a celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos e com a oferenda de si mesmos à glória de Deus, mas também com a vida de oração, com o diálogo orante com o Pai por Jesus Cristo no Espírito Santo.

 

A oração familiar tem as suas características. É uma oração feita em comum, marido e mulher juntos, pais e filhos juntos. A comunhão na oração é, ao mesmo tempo, fruto e exigência daquela comunhão que é dada pelos sacramentos do baptismo e do matrimónio. Aos membros da família cristã podem aplicar-se de modo particular as palavras com que Cristo promete a sua presença: «Digo-vos ainda: se dois de vós se unirem, na terra, para pedirem qualquer coisa, obtê-la-ão de Meu Pai que está nos Céus. Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles»

 

A oração familiar tem como conteúdo original a própria vida de família, que em todas as suas diversas fases é interpretada como vocação de Deus e actuada como resposta filial ao Seu apelo: alegrias e dores, esperanças e tristezas, nascimento e festas de anos, aniversários de núpcias dos pais, partidas, ausências e regressos, escolhas importantes e decisivas, a morte de pessoas queridas, etc., assinalam a intervenção do amor de Deus, na história da família, assim como devem marcar o momento favorável para a acção de graças, para a impetração, para o abandono confiante da família ao Pai comum que está nos céus. A dignidade e a responsabilidade da família cristã como Igreja doméstica só podem pois ser vividas com a ajuda incessante de Deus, que não faltará, se implorada com humildade e confiança na oração.

 

EDUCADORES DE ORAÇÃO

 

60. Em virtude da sua dignidade e missão, os pais cristãos têm o dever específico de educar os filhos para a oração, de os introduzir na descoberta progressiva do mistério de Deus e no colóquio pessoal com Ele: «É sobretudo na família cristã, ornada da graça e do dever do sacramento do matrimónio, que devem ser ensinados os filhos desde os primeiros anos, segundo a fé recebida no Baptismo, a conhecer e a adorar Deus e amar o próximo».

 

Elemento fundamental e insubstituível da educação para a oração é o exemplo concreto, o testemunho vivo dos pais: só rezando em conjunto com os filhos, o pai e a mãe, enquanto cumprem o próprio sacerdócio real, entram na profundidade do coração dos filhos, deixando marcas que os acontecimentos futuros da vida não conseguirão fazer desaparecer. Tornemos a escutar o apelo que o Papa Paulo VI dirigiu aos pais: «Mães, ensinais aos vossos filhos as orações do cristão? Em consonância com os Sacerdotes, preparais os vossos filhos para os sacramentos da primeira idade: confissão, comunhão, crisma? Habituai-los, quando enfermos, a pensar em Cristo que sofre? a invocar o auxílio de Nossa Senhora e dos Santos? Rezais o terço em família? E vós, Pais, sabeis rezar com os vossos filhos, com toda a comunidade doméstica, pelo menos algumas vezes? O vosso exemplo, na rectidão do pensamento e da acção, sufragada com alguma oração comum, tem o valor de uma lição de vida, tem o valor de um acto de culto de mérito particular; levais assim a paz às paredes domésticas: "Pax huic domui!". Recordai: deste modo construís a Igreja!».

 

ORAÇÃO LITÚRGICA E PRIVADA

 

61. Entre a oração da Igreja e a de cada um dos fiéis há uma profunda e vital relação, como reafirmou claramente o Concílio Vaticano II.

 

Ora uma finalidade importante da oração da Igreja doméstica é a de constituir, para os filhos, a introdução natural à oração litúrgica própria da Igreja inteira, no sentido quer de uma preparação para ela, quer de a alargar ao âmbito da vida pessoal, familiar e social. Daqui a necessidade de uma participação progressiva de todos os membros da família cristã na Eucaristia, sobretudo na dominical e festiva, e nos outros sacramentos, em particular nos da iniciação cristã dos filhos. As directivas conciliares abriram uma nova possibilidade à família cristã, que foi incluída entre os grupos aos quais se recomenda a celebração comunitária do Ofício divino. Assim também está ao cuidado da família cristã celebrar, mesmo em casa e de forma adaptada aos seus membros, os tempos e as festividades do ano litúrgico.

 

Para preparar e prolongar em casa o culto celebrado na Igreja, a família cristã recorre à oração privada, que se apresenta sob uma grande variedade de formas: esta variedade, enquanto testemunho da riqueza extraordinária com a qual o Espírito anima a oração cristã, responde às diversas exigências e situações da vida de quem se volta para o Senhor. Além das orações da manhã e da tarde são de aconselhar expressamente - seguindo também indicações dos Padres Sinodais - a leitura e a meditação da Palavra de Deus, a preparação para a recepção dos sacramentos, a devoção e consagração ao Coração de Jesus, as várias formas de culto à Santíssima Virgem, a bênção da mesa, as práticas de piedade popular.

 

No respeito pela liberdade dos filhos de Deus, a Igreja propôs e continua a sugerir aos fiéis algumas práticas de piedade com solicitude e insistência particulares. Entre estas é de lembrar a recitação do Rosário: «Queremos agora, em continuidade de pensamento com os nossos Predecessores, recomendar vivamente a recitação do Santo Rosário em família... Não há dúvida de que o Rosário da bem-aventurada Virgem Maria deve ser considerado uma das mais excelentes e eficazes orações em comum, que a família cristã é convidada a recitar Dá-nos gosto pensar e desejamos vivamente que, quando o encontro familiar se transforma em tempo de oração, seja o Rosário a sua expressão frequente e preferida». Desta maneira a autêntica devoção mariana, que se exprime no vínculo sincero e na generosa série das posições espirituais da Virgem Santíssima, constitui um instrumento privilegiado para alimentar a comunhão de amor da família e para desenvolver a espiritualidade conjugal e familiar. Ela, a Mãe de Cristo e da Igreja, é também, de facto, de forma especial, a Mãe das famílias cristãs, das Igrejas domésticas.

 

ORAÇÃO E VIDA

 

62. Nunca se deverá esquecer que a oração é parte constitutiva essencial da vida cristã, tomada na sua integralidade e centralidade; mais ainda, pertence à nossa mesma «humanidade»: é «a primeira expressão da vida interior do homem, a primeira condição da autêntica liberdade do espírito»(156).

 

Por isso, a oração não representa de modo algum uma evasão que desvia do empenho quotidiano, mas constitui o impulso mais forte para que a família cristã assuma e cumpra em plenitude todas as suas responsabilidades de célula primeira e fundamental da sociedade humana. Em tal sentido, a efectiva participação na vida e na missão da Igreja no mundo é proporcional à fidelidade e à intensidade da oração com que a família cristã se une à Videira fecunda, Cristo Senhor.

 

Da união vital com Cristo, alimentada pela Liturgia, pelo oferecimento de si e da oração, deriva também a fecundidade da família cristã no seu serviço específico de promoção humana, que de per si não pode não levar à transformação do mundo.

 

3) A FAMÍLIA CRISTÃ, COMUNIDADE AO SERVIÇO DO HOMEM

 

O MANDAMENTO NOVO DO AMOR

 

63. A Igreja, povo profético, sacerdotal e real, tem a missão de levar todos os homens a acolher na fé a Palavra de Deus, a celebrá-la e a professá-la nos sacramentos e na oração, e, por fim, a manifestá-la na vida concreta segundo o dom e o mandamento novo do amor.

 

A vida cristã encontra a sua lei não num código escrito, mas na acção pessoal do Espírito Santo que anima e guia o cristão, isto é, na «lei do Espírito que dá vida em Cristo Jesus»: «o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido».

 

Isto vale também para o casal e para a família cristã: seu guia e norma é o Espírito de Jesus, difundido nos corações com a celebração do sacramento do matrimónio. Em continuidade com o baptismo na água e no Espírito, o matrimónio propõe outra vez a lei evangélica do amor, e, com o dom do Espírito, grava-a mais profundamente no coração dos cónjuges cristãos: o seu amor, purificado e salvo, é fruto do Espírito, que age no coração dos crentes e se põe, ao mesmo tempo, como mandamento fundamental da vida moral pedida à liberdade responsável deles.

 

A família cristã é deste modo animada e guiada pela nova lei do Espírito e em íntima comunhão com a Igreja, povo real, chamada a viver o seu «serviço» de amor a Deus e aos irmãos. Como Cristo exerce o seu poder real pondo-se ao serviço dos homens, assim o cristão encontra o sentido autêntico da sua participação na realeza do seu Senhor ao condividir com Ele o espírito e a atitude de serviço no que diz respeito ao homem: «Comunicou (Cristo) este poder aos discípulos, para que também eles sejam constituídos em régia liberdade e, com a abnegação de si mesmos e a santidade da vida, vençam em si próprios o reino do pecado (cfr. Rom. 6, 12); mais ainda, para que, servindo a Cristo também nos outros, conduzam os seus irmãos, com humildade e paciência, àquele Pai, a quem servir é reinar. Pois o Senhor deseja dilatar também por meio dos leigos o Seu reino, reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz, no qual a própria criação será liberta da servidão da corrupção alcançando a liberdade da glória dos filhos de Deus (cfr. Rom. 8, 21)».

 

DESCOBRIR EM CADA IRMÃO A IMAGEM DE DEUS

 

64. Animada e sustentada pelo mandamento novo do amor, a família cristã vive a acolhida, o respeito, o serviço para com a homem, considerado sempre na sua dignidade de pessoa e de filho de Deus.

 

Isto deve acontecer, antes de tudo, no e para o casal e para a família, mediante o empenho quotidiano de promover uma autêntica comunidade de pessoas, fundada e alimentada por uma íntima comunhão de amor. Deve além disso ampliar-se para o círculo mais universal da comunidade eclesial, dentro da qual a família cristã está inserida: graças à caridade da família, a Igreja pode e deve assumir uma dimensão mais doméstica, isto é, mais familiar, adoptando um estilo de relações mais humano e fraterno.

 

A caridade ultrapassa os próprios irmãos na fé, porque «todo o homem é meu irmão»; em cada um, sobretudo se pobre, fraco, sofredor e injustamente tratado, a caridade sabe descobrir o rosto de Cristo e um irmão a amar e a servir.

 

Para que o serviço ao homem seja vivido pela família segundo o estilo evangélico será necessário pôr em prática com urgência o que escreve o Concílio Vaticano II: «Para que este exercício da caridade seja e apareça acima de toda a suspeita, considere-se no próximo a imagem de Deus, para o qual foi criado, veja-se nele Cristo, a quem realmente se oferece tudo o que ao indigente se dá».

 

A família cristã, enquanto edifica a Igreja pela caridade, põe-se ao serviço do homem e do mundo, actuando verdadeiramente a «promoção humana», cujo conteúdo se encontra sintetizado na Mensagem do Sínodo à família: «É vossa tarefa formar os homens para o amor e educá-los a agir com amor em todas as relações humanas, de modo que o amor fique aberto à comunidade inteira, permeado do sentido de justiça e de respeito para com os demais, cônscio da própria responsabilidade para com a mesma sociedade».

 

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