VII COMO DAR A CATEQUESE

VII COMO DAR A CATEQUESE

DIVERSIDADE DOS MÉTODOS

 

51. A idade e o desenvolvimento intelectual dos cristãos, bem como o seu grau de maturidade eclesial e espiritual e muitas outras circunstâncias pessoais exigem que a catequese adopte métodos muito diversos, para poder alcançar a sua finalidade específica: a educação para a fé. Tal variedade é também exigida, num plano mais geral, pelo meio sócio-cultural em que a Igreja desenvolve a sua actividade catequética. A variedade de métodos é um sinal de vida e uma riqueza. Foi assim que a consideraram os Padres da IV Assembleia Geral do Sínodo, ao chamarem a atenção para as condições indispensáveis a que tal variedade seja útil e não prejudicial à unidade do ensino da única fé.

 

AO SERVIÇO DA REVELAÇÃO E DA CONVERSÃO

 

52. O primeiro problema da ordem geral que se apresenta refere-se ao risco e à tentação de misturar indevidamente com o ensino catequético perspectivas ideológicas, claras ou disfarçadas, sobretudo de natureza político-social, ou então opções políticas pessoais. Quando tais perspectivas prevalecem sobre a mensagem central a ser transmitida, até ao ponto de a obscurecerem e fazerem com que se torne secundária, ou mesmo de a utilizarem até para os seus próprios fins, a catequese passa a ficar profundamente desnaturada até às raízes. O Sínodo insistiu, e muito a propósito, na necessidade de a catequese se manter acima de tendências unilaterais divergentes — de evitar «dicotomias» — mesmo no campo das interpretações teológicas que são dadas a questões semelhantes. Há-de ser pela Revelação que a catequese se procurará reger; e a Revelação tal como a transmite o Magistério universal da Igreja, na sua forma solene ou ordinária. Esta Revelação é a de um Deus Criador e Redentor, cujo Filho, ao vir ao meio dos homens revestido de carne humana, não só entra na história pessoal de cada homem, como na própria história humana, da qual Ele se toma o centro. Tal Revelação, por conseguinte, é revelação da mudança radical do homem e do universo, de tudo aquilo que constitui o tecido da existência humana, sob a influência da Boa Nova de Jesus Cristo. Uma catequese concebida assim, ultrapassa todo o moralismo formalista, se bem que inclua uma verdadeira moral cristã; ultrapassa principalmente todo o «messianismo» temporal, social ou político. Tal catequese procura atingir o que há de mais profundo no homem.

 

ENCARNAÇÃO DA MENSAGEM NAS CULTURAS

 

53. Passo agora a tocar outro problema. Como tive ocasião de dizer recentemente aos membros da Comissão Bíblica, «O termo 'aculturação', ou 'inculturação', apesar de ser um neologismo, exprime muito bem uma das componentes do grande mistério da Encarnação». Podemos dizer da catequese, como da evangelização em geral, que ela é chamada a levar a força do Evangelho ao coração da cultura e das culturas. Para isso, a catequese tem de procurar conhecer essas culturas e suas componentes essenciais; apreender as suas expressões mais significativas; saber também respeitar os seus valores e riquezas próprias. É deste modo que poderá propor a essas culturas o conhecimento do mistério escondido e ajudá-las a fazer surgir da sua própria tradição viva expressões originais de vida, de celebração e de pensamento cristãos. Há que recordar-se entretanto de duas coisas:

 

— por um lado, a Mensagem evangélica não é isolável pura e simplesmente da cultura em que primeiramente se inseriu (o mundo bíblico e mais concretamente o meio cultural onde viveu Jesus de Nazaré); nem mesmo, sem perdas graves, das culturas em que já se exprimiu ao longo de séculos; não surge de maneira espontânea de nenhum substracto cultural; além disso transmite-se sempre através de um diálogo apostólico que inevitavelmente está inserido num certo diálogo de culturas;

 

— por outro lado, a força do Evangelho por toda a parte é transformadora e regeneradora. Quando penetra numa determinada cultura, quem se maravilhará de que aí aperfeiçoe muitos elementos? Deixaria de haver catequese se fosse o Evangelho a ter que alterar-se no contacto com as culturas.

 

Se sucedesse esquecerem-se estas coisas, chegar-se-ia simplesmente àquilo que São Paulo chama, com expressão muito forte, «desvirtuar a Cruz de Cristo».

 

Bem diferente é a diligência que, com prudência e discernimento, parte de elementos — religiosos ou de outro género — que fazem parte do património cultural de um grupo humano, com o intento de ajudar as pessoas a compreenderem melhor a integridade do mistério cristão. Os catequetas autênticos sabem bem que a catequese se tem de «encarnar» nas diferentes culturas e nos diversos meios: basta pensar em tanta diversidade de povos, na novidade dos jovens do nosso tempo e nas circunstâncias tão variadas em que se encontram os homens de hoje; apesar de tudo, nenhum desses catequetas aceita que a catequese se empobreça, por abdicação ou atenuação da luz da sua mensagem e por adaptações, mesmo de linguagem, que porventura comprometessem o «bom depósito» da fé, ou ainda por concessões em matéria de fé ou moral; todos estão persuadidos de que a verdadeira catequese há-de acabar por enriquecer essas culturas, ajudando-as a superar os aspectos deficientes ou mesmo inumanos que nelas existam, comunicando aos seus lídimos valores a plenitude de Cristo.

 

CONTRIBUIÇÃO DAS DEVOÇÕES POPULARES

 

54. Outro problema de método diz respeito à valorização dos elementos válidos da piedade popular, pelo ensino catequético. Penso, a este propósito, naquelas devoções que são praticadas pelo povo fiel nalgumas regiões com um fervor e uma pureza de intenção comovedores embora a fé que está na sua base deva ser purificada, ou mesmo rectificada, sob muitos aspectos. Penso igualmente em certas orações fáceis de compreender, que tantas pessoas simples gostam de repetir. E penso ainda em certos actos de piedade, praticados com desejo sincero de fazer penitência e de agradar ao Senhor. Subjacentes à maior parte dessas orações e atitudes, ao lado de elementos que são de pôr de parte, outros há também que, se bem utilizados, poderiam perfeitamente servir para fazer progredir e aperfeiçoar o conhecimento do mistério de Cristo ou da sua mensagem: o amor e a misericórdia de Deus, a Encarnação de Cristo, a sua Cruz redentora e a sua Ressurreição, a acção do Espírito Santo em cada um dos cristãos e na Igreja, o mistério de além-túmulo, as virtudes evangélicas a praticar, a presença do cristão no mundo, etc. Sendo assim, porque haveríamos de estar a aproveitar elementos não cristãos — ou até anti-cristãos — deixando de apoiar elementos que, muito embora precisem de ser revistos e corrigidos, têm já alguma coisa de cristão na sua raiz?

 

MEMORIZAÇÃO

 

55. O último dos problemas metodológicos que convém ao menos pôr em destaque — pois foi por mais de uma vez debatido no Sínodo — é o problema da memorização. Os inícios da catequese cristã, coincidiram com uma civilização prevalentemente oral; por isso recorreram em larga escala à memorização. E assim a catequese, imediatamente conheceu uma longa tradição de aprendizagem dos princípios e das verdades usando prevalentemente a memória. Bem sabemos todos que tal método pode apresentar inconvenientes: não é o menor de todos, o facto de se prestar a uma assimilação insuficiente, por vezes quase nula, reduzindo todo o saber a fórmulas que se repetem sem nunca se terem aprofundado. Estes inconvenientes, juntamente com diversas características da nossa civilização levaram aqui e além à supressão quase completa — alguns dizem mesmo, o que não é para seguir, definitiva — da memorização na catequese. Contudo, por ocasião da IV Assembleia Geral do Sínodo, vozes muito autorizadas se fizeram ouvir em favor de um reequilíbrio criterioso na catequese entre reflexão e espontaneidade, diálogo e silêncio, trabalhos escritos e de memória. De resto, há algumas culturas que continuam a dar grande importância à memorização.

 

Assim, numa altura em que, no ensino profano de alguns países, se ouvem queixas cada vez mais numerosas, quanto às lamentáveis consequências do menosprezo desta faculdade humana que é a memória, porque haveríamos de ser nós a não procurar revalorizá-la de maneira inteligente e até original na catequese, tanto mais que a celebração ou «memória» dos grandes acontecimentos da história da Salvação exige que deles se possua um conhecimento preciso? Certa memorização, pois, das palavras de Jesus, de passagens bíblicas importantes, dos dez Mandamentos, de fórmulas de profissão de fé, de textos litúrgicos e orações essenciais e de noções-chave da doutrina..., longe de ser contra a dignidade dos jovens cristãos, ou de constituir para eles obstáculo ao diálogo pessoal com o Senhor, é uma verdadeira necessidade, como recordaram com vigor os Padres sinodais. E preciso ser-se realista. As flores da fé e da piedade cristã, se assim se pode dizer, não crescem nos espaços ermos de uma catequese sem memória. O essencial é que os textos memorizados sejam também interiorizados, compreendidos pouco a pouco na sua profundidade, a fim de se tornarem fonte de vida cristã pessoal e comunitária.

 

A pluralidade de métodos na catequese contemporânea pode ser sinal de vitalidade e de talento inventivo. Em qualquer hipótese, importa que o método escolhido se atenha acima de tudo a uma lei fundamental para toda a vida da Igreja: a lei da fidelidade a Deus e da fidelidade ao homem, numa única atitude de amor.

 

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