VIII A ALEGRIA DA FÉ NUM MUNDO DIFÍCIL

VIII A ALEGRIA DA FÉ NUM MUNDO DIFÍCIL

AFIRMAR A IDENTIDADE CRISTÃ

 

56. Vivemos num mundo difícil em que a angústia de ver as melhores criações do homem a escaparem-se-lhe e a voltarem-se contra ele cria um clima de incerteza. É neste mundo assim que a catequese tem de ajudar os cristãos a serem, pela sua alegria e serviço a todos, «luz» e «sal». Isso exige que ela os consolide na sua identidade própria e que incessantemente se reserve a si mesma das hesitações, incertezas e insipidez ambientes. Dentre muitas outras dificuldades, que constituem para a fé outros tantos desafios, vou anotar algumas para ajudar a catequese a superá-las.

 

NUM MUNDO INDIFERENTE

 

57. Falava-se muito, há alguns anos, de mundo secularizado e de era pós-cristã. A moda, como sempre, passa... Mas permanece uma realidade profunda. Os cristãos de hoje têm de ser formados para viverem num mundo que em vasta escala ignora a Deus, ou que em matéria religiosa, em vez de diálogo exigente e fraterno, estimulante para todos, se atola com muita frequência num indiferentismo nivelador, quando não permanece mesmo numa atitude despiciente de «suspeita», em nome dos seus progressos em matéria de «explicações» científicas. Para conseguir «aguentar» neste mundo assim, para oferecer a todos a possibilidade de um «diálogo da salvação» em que cada um se sinta respeitado na sua dignidade verdadeiramente fundamental, que é a de um ser que busca Deus, precisamos de uma catequese que ensine jovens e adultos das nossas comunidades a permanecerem lúcidos e coerentes na sua fé e a afirmarem serenamente a sua identidade cristã e católica, a «verem o invisível» e a aderirem de tal modo ao absoluto de Deus, que possam dele dar testemunho no seio de uma civilização materialista que o nega.

 

COM A PEDAGOGIA ORIGINAL DA FÉ

 

58. A originalidade inconfundível da identidade cristã, tem como corolário e condição uma pedagogia não menos original da fé. Dentre as inúmeras e prestigiosas ciências do homem, nas quais se verifica em nossos dias imenso progresso, a pedagogia é certamente uma das mais importantes. Além disso as conquistas de outras ciências — biologia, psicologia, sociologia — fornecem-lhe elementos preciosos. Acontece ainda que tanto a ciência da educação como a arte de ensinar estão a ser objecto de contínuas investigações para conseguir delas melhor adaptação ou maior eficácia, com resultados também diversos.

 

Ora sucede que há também uma pedagogia da fé; e nunca será demais tudo o que se disser sobre o que essa pedagogia pode contribuir para a catequese. É normal que se adaptem à educação da fé as técnicas aperfeiçoadas e comprovadas da educação em geral. No entanto, importa ter em conta em cada momento a originalidade própria da fé. Na pedagogia da fé, não se trata simplesmente de transmitir um saber humano, por mais elevado que se considere; trata-se de comunicar na sua integridade a Revelação de Deus. Ora ao longo de toda a história sagrada, sobretudo no Evangelho, o próprio Deus serviu-se de uma pedagogia que deve continuar a ser modelo para a pedagogia da fé. Nenhuma técnica será válida na catequese senão na medida em que for posta ao serviço da fé a transmitir e a educar; caso contrário, não terá valor.

 

LINGUAGEM ADAPTADA AO SERVIÇO DO CREDO

 

59. Problema em continuidade com o precedente é o da linguagem. De todos é sabido quanto esta questão é candente nos dias de hoje. Não será porventura paradoxal verificar que enquanto por um lado os estudos contemporâneos, nos campos da comunicação, da semântica e da ciência dos símbolos, por exemplo, dão notável importância à linguagem, essa mesma linguagem seja por outro lado, abusivamente utilizada nos nossos dias ao serviço da mistificação ideológica, da massificação do pensamento e da redução do homem ao estado de objecto?

 

Tudo isto tem notáveis influências no domínio da catequese. Para esta, de facto, é um dever imperioso, encontrar a linguagem adaptada às crianças, aos jovens do nosso tempo em geral e a muitas outras categorias de pessoas: linguagem para os estudantes, para os intelectuais e para os homens de ciência; linguagem para os analfabetos e para as pessoas de cultura elementar; linguagem para os deficientes, etc. Santo Agostinho tinha já deparado com este problema e contribuiu para o resolver no que se refere à sua época, com a obra famosa, De catechizandis rudibus. Na catequese, como na teologia, o problema da linguagem é, sem dúvida, primordial. No entanto não será supérfluo recordar aqui o seguinte: a catequese nunca poderia admitir uma linguagem que, sob qualquer pretexto que fosse, mesmo pretensamente científico, levasse a desfigurar o conteúdo do Credo. Nem lhe convém, em qualquer hipótese, uma linguagem que engane ou seduza. A lei suprema, deve ser esta: os grandes progressos da ciência da linguagem só podem ser postos ao serviço da catequese, a fim de que esta esteja em condições de «dizer» e «comunicar» verdadeiramente às crianças, aos adolescentes, aos jovens e aos adultos de hoje todo o conteúdo doutrinal de sempre, sem deformações.

 

INVESTIGAÇÃO E CERTEZA DA FÉ

 

60. Desafio mais subtil provém, por vezes, da própria concepção da fé. Certas escolas filosóficas contemporâneas, que parecem exercer forte influência nalgumas correntes teológicas e, através delas, na prática pastoral, acentuam de bom grado que a atitude humana fundamental é a atitude de procura até ao infinito, de busca que nunca chega a alcançar o seu objectivo. Em teologia, este modo de ver as coisas levará mesmo a afirmar categoricamente que a fé nunca é uma certeza, mas uma interrogação; que não é uma claridade, mas um salto na escuridão.

 

Tais correntes de pensamento têm a vantagem de nos recordar que a fé diz respeito a coisas que ainda não são possuídas, pois se esperam e não se vêem ainda, senão como que «num espelho, de maneira confusa»; que Deus habita sempre numa luz inacessível. Ajudam-nos também a não fazermos da fé cristã uma atitude de instalados, mas a considerá-la como uma marcha para diante, como a de Abraão. E com maior razão ainda a evitar apresentar como certas, coisas que o não são.

 

É preciso, todavia, não cair no extremo oposto, como se faz muitas vezes. A Epístola aos Hebreus diz-nos que «a fé é firme fundamento daquilo que se espera e demonstração de realidades que não se vêem». Contudo, se nós não temos uma posse plena, temos uma garantia e uma prova. Quando educamos crianças, adolescentes e jovens, não lhe demos da fé um conceito totalmente negativo — com um não-saber absoluto, uma espécie de cegueira, uni mundo de trevas; procuremos antes fazer-lhes ver que a atitude de procura humilde e corajosa do crente, longe de partir do nada, de simples ilusões, de opiniões falíveis, de incertezas, se funda na Palavra de Deus, que não se engana nem engana, e se constrói incessantemente sobre a rocha inabalável dessa Palavra. É a procura dos Magos no seguimento de uma estrela, procura a respeito da qual, retomando um pensamento de Santo Agostinho, escrevia Pascal de maneira profundíssima: «Tu não me buscarias, se não me tivesses já encontrado».

 

É, pois, uma das finalidades da catequese proporcionar aos jovens catecúmenos as certezas que temos, simples mas sólidas; são elas que os hão-de ajudar a procurar mais e melhor o conhecimento do Senhor.

 

CATEQUESE E TEOLOGIA

 

61. Neste contexto parece-me importante que se compreenda bem a ligação entre a catequese e a teologia.

 

Esta ligação é evidentemente algo de profundo e vital para quem compreenda a missão insubstituível da teologia ao serviço da fé. Não é de admitir, pois, que qualquer turbilhão no campo da teologia venha também a provocar repercussões no campo da catequese. Ora sucede que a Igreja está, precisamente agora a seguir ao Concílio, a viver um momento importante, mas que não deixa de ser arriscado para a pesquisa teológica. E o mesmo se terá de dizer quanto à hermenêutica na exegese.

 

Os Padres sinodais, provenientes de todos os continentes, ventilaram este assunto com linguagem muito clara: falaram eles de um «equilíbrio instável», que corre o risco de passar da teologia para a catequese, e frisarem a necessidade de se achar remédio a esse mal. O Papa Paulo VI tinha já tocado este problema, em termos não menos claros, na introdução à sua Solene Profissão de Fé e na Exortação Apostólica que assinalou o quinto aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II.

 

Convém insistir novamente neste ponto. Conscientes da influência das suas investigações no ensino catequístico, os teólogos e exegetas têm o dever de estar muito atentos para procederem de tal maneira que não se tomem como verdades certas aquelas coisas que ainda são questões de opinião ou de disputa entre peritos. Os catequistas, por seu turno, hão-de ter a prudência de colher no campo da investigação teológica aquilo que possa esclarecer a sua própria reflexão e o seu ensino, indo beber, como os mesmos teólogos, nas verdadeiras fontes, à luz do Magistério. E terão o cuidado de não perturbarem o espírito das crianças e dos jovens, nesta fase da sua catequese, com teorias peregrinas, vãos problemas ou discussões estéreis, coisas muitas vezes repreendidas por São Paulo nas suas Cartas pastorais.

 

O dom mais precioso que a Igreja pode oferecer ao mundo contemporâneo, desorientado e inquieto, é o de nele formar cristãos bem firmados no essencial e humildemente felizes na sua fé. A catequese há-de ensinar-lhes isto e ela própria daí tirará proveito: «O homem que quiser compreender-se a si próprio profundamente — não apenas segundo critérios e medidas imediatas, parciais, por vezes superficiais e só aparentes — deve aproximar-se de Cristo, com toda a sua inquietude e incerteza, sua fraqueza e pecaminosidade, sua vida e sua morte. Deve, por assim dizer, entrar n'Ele com tudo o que é em si mesmo, deve «apropriar-se e assimilar toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para se encontrar a si mesmo».

 

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